Telhado da residência The Grand Domestic Revolution
Red bookshelf
Há algumas semanas ensaio escrever este testemunho. Hoje me ocorreu que resisti em me dedicar para este texto porque estranho a idéia de que o apartamento 18B da Bemuurde Weerd OZ será fechado; ou que o projeto The Grand Domestic Revolution terá fim. Eu não acho que as coisas devem durar para sempre, pelo contrário. Mas eu gostaria de ter passado mais tempo ali, de poder voltar e de ter mais tempo de reflexão sobre todas as complexidades implicadas nessa pesquisa antes de escrever sobre a minha experiência.
Meu primeiro trabalho junto ao Casco foi uma pequena reação ao projeto Many Furniture, uma porção de móveis espalhados pela casa pintados segundo um sistema de cores que anunciava qual conjunto de móveis havia sido pensado para o artista individual que habitasse aquele espaço; outro para uso de coletivos de artistas; outro para famílias; e outro para grupos maiores, nos dias de atividades públicas. Eu havia me proposto a experimentar o sistema para o artista individual, cujos móveis eram de um vermelho bem vivo. Eu usei uma cama de solteiro vermelha, uma mesa vermelha, uma cadeira vermelha, uma luminária de chão vermelha, uma luminária de mesa vermelha e um banquinho vermelho, que serviu como criado mudo. Senti falta de um espaço para guardar os livros que estava usando durante a residência e decidi pintar uma parte da estante de livros – originalmente pintada de lilás, a cor dos coletivos – de vermelho. Além disso, como um pequeno protesto ao sistema instituído pelos arquitetos, pintei um dos muitos bancos para os dias de atividades públicas de amarelo. Essa ação recebeu o nome de More Furniture – red bookshelf and yellow stool.
A suposta adição sugerida pela palavra “More” era, na verdade, tão somente a transformação da cor – ou do uso – dos móveis já existentes no apartamento, sem que nenhum novo móvel houvesse sido adicionado ao espaço.
Quando retornei à casa, mais de um ano depois, foi inevitável notar que muitas coisas haviam se acumulado ali. Novos móveis, objetos produzidos ou utilizados pelos artistas residentes em seus trabalhos, objetos de uso pessoal deixados pelos residentes espalhados pela casa. As sapatilhas já não eram utilizadas, entrava-se de sapatos em todos os ambientes. Pelas paredes estavam os mesmos papéis que vi na minha primeira residência – recortes de jornais, cartazes, mapas -, sobrepostos por novos recortes de jornal, cartazes e mapas. No cesto de roupa suja do banheiro estavam muitas roupas de cama, toalhas e panos de prato por lavar. Brinquei com a equipe do Casco que poderiam realizar um novo town meeting para decidir se preferiam manter obras de arte ou móveis no apartamento, proposta que chamei de Less Furniture.
Brincadeiras à parte, eu precisava começar a trabalhar. Limpei a parte interna da casa, mudei a posição de todos os móveis, abri todas as janelas e portas para deixar o ar entrar. Guardei o tapete que estava no centro da sala, retirei muitos papéis das paredes e separei todos os objetos pessoais encontrados – que eu chamei de “objetos estranhos” – sobre um pedaço de tecido. Deixei o computador desligado por uma semana, com o objetivo de desacelerar um pouco e realmente viver aquela experiência em sua inteireza. Ao contrário do que se possa imaginar, eu não estava preparando aquele espaço para então começar a trabalhar em um projeto artístico. A própria limpeza e arrumação eram meu trabalho.
Percebi que sozinha não conseguiria realizar muitas coisas, então convoquei um “mutirão” de limpeza. A minha idéia era sugerir a limpeza de três espaços específicos da casa: as calhas das janelas da frente, as áreas ao redor do telhado/a varanda e a entrada externa do apartamento, o que incluiria o corredor comum do prédio, as escadas e a entrada propriamente dita. No dia do “mutirão” somente Yolande apareceu para trabalhar. Não seria possível limpar tudo o que eu havia planejado, mas propus que fizéssemos o possível no intervalo de tempo que passaríamos juntas. Criei a regra de que nós duas não deveríamos conversar sobre nada que não estivesse diretamente implicado na limpeza, por exemplo “Me passa a vassoura?”, ou “Me ajuda aqui?”. Retiramos toda a sujeira acumulada nas calhas, o pó acumulado nessas janelas e fomos para a área externa da casa. Ali varremos todas as folhas acumuladas junto ao telhado e começamos a limpar a varanda, que tinha muitos vasos com água parada, plantas mortas e objetos quebrados/pedaços de objetos. Havia coisas esquecidas entre frestas/cantos, simplesmente sendo acumuladas. Somente ali foram quatro sacos de lixo.
Não foi possível limpar a entrada até o apartamento antes do término da minha residência e isso permaneceu como um desafio a todas as pessoas que usavam aquele espaço. Os armários também estavam com muitas coisas e eu não sabia quais poderiam ser doadas ou novamente utilizadas no apartamento, quais deveriam ser jogadas fora/recicladas. Além disso, não era o meu objetivo deixar o apartamento completamente limpo, mas tão somente ativar uma outra percepção daquele espaço, revelá-lo. Trabalhar com o espaço doméstico (ou público) não é necessariamente uma questão de o que colocamos nesse espaço, mas, antes, como ele pode ser criado e recriado.
Série de não-ações
1. desligando
2. limpando
3. arrumando
4. abrindo janelas
5. tomando banho
6. comendo
7. dormindo
Graziela Kunsch
Casco, Utrecht, 2011