Projeto original em colaboração com o arquiteto Rafi Segal. Desenhos: Rafi Segal
Vídeo projetado grande
Participei da exposição Avenida Paulista (MASP, 2017), com duas obras, que têm em comum o túnel que conecta a Paulista com a Dr. Arnaldo. Na minha primeira conversa com a curadoria, tentei debater a cobrança de ingresso aos domingos (eu queria de algum modo propor um trabalho que deslocasse os recursos da produção da obra para a gratuidade aos domingos; ou explicitar o caminho gratuito existente no museu, conhecido somente por quem vai até o restaurante), mas o tema não gerou interesse. Acabei trazendo projetos já em andamento para o contexto. Abaixo deixo a entrevista que a Luiza Proença fez comigo, publicada em uma brochura-catálogo do museu. Na contracapa dessa brochura há um paralelo entre o meu vídeo e uma intervenção do 3NÓS3 no mesmo túnel, em 1980. O que não coube eu dizer nesta entrevista é que o vídeo que exponho ali é do ato que comemorou um ano da revogação do aumento nas tarifas do transporte, em junho de 2013. Se a Paulista nos últimos anos passou a ser ocupada por manifestações de direita, não podemos esquecer as pequenas conquistas que tivemos, à esquerda. Precisamos reconhecer essas conquistas para conseguir seguir adiante.
Entrevista
Luiza Proença: Os seus trabalhos na exposição têm como referência o túnel que conecta as avenidas Paulista e Dr. Arnaldo. Que características desse túnel chamam sua atenção?
Graziela Kunsch: A Paulista tem áreas subterrâneas bastante desconhecidas, mas o Túnel José Roberto Fanganiello Melhem, apesar de conhecido e visível, é apagado. Não tem a mesma vida da avenida. É um túnel com calçadas largas e aberturas no teto que, no entanto, foi reduzido a uma passagem de automóveis. Poderia ser mais povoado.
LP: Um dos projetos consiste em realizar cortes nas rampas “antimendigos” instaladas no túnel e depende de autorização da prefeitura. O que pode significar a recusa ou a aceitação dessa proposta?
GK: Decisões urbanas da prefeitura podem determinar como se dão as relações sociais no espaço da cidade. Se a prefeitura constrói uma rampa de concreto onde vivem pessoas, ela está forçando o deslocamento dessas pessoas para longe dali. Se a prefeitura concorda em realizar os cortes, criando assim superfícies horizontais nas rampas inclinadas, ela estará respeitando a existência de pessoas em situação de rua que, por motivos diversos, não conseguem viver em abrigos, e tornará possível que essas pessoas utilizem os nichos para se sentar ou se deitar (e, consequentemente, conversar, comer, dormir etc.). Estou chamando esse procedimento de “escultura pública”, porque trabalhar com o espaço urbano não é necessariamente uma questão de o que colocamos (ou adicionamos) na cidade, mas como o espaço pode ser criado ou recriado. O que pode ser retirado para revelar uma forma? Como produzir um “contraespaço”, que abale ou subverta o propósito do espaço existente? A peça de concreto a ser extraída da rampa será deslocada para o museu, onde funcionará como um assento, instalado no chão, para que as pessoas assistam ao vídeo que vou projetar. Se a proposta for recusada, só espero que a justificativa seja pública. Antes de ouvir essa justificativa, não tenho como interpretá-la.
LP: Em relação ao vídeo, qual é seu envolvimento com o Movimento Passe Livre e como esse e outros movimentos se apropriaram da avenida Paulista nos últimos anos?
GK: Fui militante do MPL por muitos anos, desde sua fundação, em janeiro de 2005. Hoje, não faço parte do coletivo, mas sigo lutando, por meio de textos e de minhas práticas como artista e educadora, pela tarifa zero. O MPL sempre preferiu realizar manifestações no Centro histórico da cidade, em função da maior concentração de trabalhadores, que precisam do transporte público para se locomover. E o movimento não é bem-vindo na Paulista. Antes de 2013, já era difícil terminar as manifestações na avenida, porque a Polícia Militar reprimia com violência os atos na subida da Consolação. Cada ato na Paulista foi uma pequena conquista. A avenida marginaliza certos usos, como ocorre em relação à população de rua que tenta habitar o túnel. Os movimentos de direita que passaram a ocupar a Paulista em 2013 não recebem o mesmo tratamento do governo. Para eles, até as catracas do metrô são liberadas em dias de manifestação. Nas manifestações que antecederam o golpe de 2016, foi significativo terem se reunido diante do prédio da Fiesp e não no Vão do MASP da Lina.