A rampa antimendigo[1] é uma intervenção dissonante na paisagem de São Paulo. Projetada por Andrea Matarazzo, então secretário municipal de Serviços, a primeira rampa foi construída em setembro de 2005 na calçada sob o túnel que liga a Avenida Paulista à Avenida Dr. Arnaldo. Seu projeto e desenvolvimento foram financiados com recursos do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, dentro do Programa de Reabilitação da Área Central[2]. Sendo uma resposta extrema para o problema da falta de moradia e dos despejos sociais em massa, a rampa antimendigo não é e nem é pensada como uma solução, apesar de ser deliberadamente prática: ela expulsa moradores e moradoras de rua para regiões periféricas da cidade.
Feita basicamente de concreto, a rampa é construída de modo a cobrir toda a área entre a calçada e o teto dos túneis/viadutos onde antes moravam pessoas. Sua superfície é bastante inclinada e chapiscada, de maneira que impede que alguém experimente deitar na rampa para dormir. Criticada como arquitetura da exclusão, podemos também entender esta obra da prefeitura como um pesado trabalho crítico de arte; uma obra site-specific[3] de forte ironia simbólica.
Em “Um lugar após o outro – anotações sobre site specificity”[4], Miwon Kwon localiza três procedimentos site-specific: fenomenológico, social/institucional e discursivo. Na leitura concisa de Jorge Menna Barreto e Raquel Garbelotti,
- Inicialmente, a expressão site-specific foi mais empregada para definir a obra que incorporava as condições físicas de uma certa localidade como parte importante na sua concepção, apresentação e recepção. A arquitetura servia, então, como base para tais intervenções. A formalização do trabalho era determinada pelo espaço físico e dele dependia. O trabalho do americano Richard Serra exemplifica bem os paradigmas vigentes nas primeiras aparições da arte dita site-specific: The specificity of site-oriented works means that they are conceived for, dependent upon, and inseparable from their location[5].
- A partir daí, a noção de site expandiu-se e passou a incluir outros aspectos do lugar até então não considerados. Trabalhos como o de Hans Haacke e Daniel Buren repensaram o site fenomenológico do Minimalismo a partir de uma reflexão crítica sobre o museu e a galeria, expondo assim aspectos de seu funcionamento e revelando a sua falsa neutralidade como suporte para a obra. Tal ampliação tornou a noção de site mais inclusiva e complexa, alterando também a maneira como a obra se relacionaria com esse lugar. Aspectos sociais, econômicos, históricos e políticos tornam-se assim ingredientes importantes dessa relação.
- A partir da década de 90 do século passado, as práticas orientadas para um lugar específico começaram a operar a partir de perspectivas de impermanência, descontinuidade, ambiguidade e desterritorializações. O lugar e a obra transcendem a sua noção identitária, fixa e sedentária e adquirem um modelo nômade e itinerante cujas fronteiras são de difícil visibilidade. O exercício de pertencimento da obra em relação a esse lugar ganha novos contornos num território que agora é fluido e disperso. O lugar da obra deixa de ser somente um lugar literal e torna-se um informational site como caracteriza o autor James Meyer, que inclui desde o lugar físico (sem priorizá-lo), até fotografias, textos, vídeos, objetos etc. que não se encontram confinados a uma localidade específica nem literal e que remetem a outros lugares e situações num exercício infinito de associações e encadeamentos.
- O termo site-specific tem sido usado maciçamente por instituições de arte e discursos do meio artístico, não só na sua língua de origem como em outras línguas. O uso indiscriminado do termo, assim como o desconhecimento do contexto histórico em que emergiu, parece amortecer a sua intenção crítica inicial e diluir o seu conceito como se fosse apenas mais uma categoria da arte contemporânea[6].
Podemos dizer que a rampa antimendigo é um site-specific fenomenológico porque ela é pensada e construída a partir das propriedades físicas da calçada debaixo do túnel: a extensão da rampa é a própria extensão da calçada; sua altura coincide com a altura da parede do túnel; a quantidade de cimento de cada rampa é definida a partir da medida aproximada da área entre um pedaço de calçada e a parede e o teto do túnel; e o material (cimento) funciona como um prolongamento do chão, da parede e do teto, também compostos por cimento. A obra é inseparável do seu local de instalação; lembrando Richard Serra: “remover a obra é destruir a obra”[7].
O problema é que uma explicação como essa ignora o significado original do site-specific fenomenológico, que emergiu no final dos anos 60, com o minimalismo. Quando Richard Serra salpicou chumbo fundido na união entre chão e parede do espaço expositivo (Splashing, 1968), ele estava desafiando a noção vigente de objeto artístico, aquele que podia ser enquadrado em alguma categoria (escultura, pintura etc.), que era autônomo em relação ao seu contexto histórico e que podia ser negociado e transportado como uma mercadoria. Splashing se agarrava ao local de exposição de tal forma que, nas palavras de Douglas Crimp, a obra “estava condenada a ser abandonada ali para sempre ou a ser desencrustrada e destruída”[8].
Ao mesmo tempo, insisto que os conceitos originais de site specificity podem nos ajudar a esmiuçar o procedimento da rampa antimendigo. O apego da rampa ao seu local de instalação não tem nada a ver com a imobilidade das obras minimalistas, mas podemos pensar que, assim como as obras de Robert Morris (por exemplo) exigiam a presença física e o deslocamento do espectador para existir, também a rampa antimendigo precisa da presença e do deslocamento do morador de rua para ser completa. A diferença é que, no caso de Robert Morris, apesar da crítica de arte falar de um espectador corporificado e de um deslocamento em um espaço e tempo reais (e que de fato são reais)[9], o deslocamento do morador de rua após se defrontar com a rampa antimendigo nos lembra que existe uma realidade mais concreta para além dos espaços tradicionais da arte; que se na galeria o espectador tem a opção de caminhar ou não em meio a uma obra de Morris, de fazer esta obra existir ou não, no caso da rampa o deslocamento é obrigatório e inevitável: o morador de rua precisa encontrar outro lugar para dormir.
Então entramos na noção de site-specific social/institucional. A rampa não teria a eficiência programada se instalada em uma calçada qualquer da cidade, implicando no deslocamento de pessoas quaisquer. Ela foi feita a partir da especificidade das calçadas de túneis e viadutos localizadas na região central de São Paulo e que abrigavam moradores e moradoras de rua.
Em 1973, Marcel Broodthaers pintou um quadrado preto no chão da Neue Galerie (Kassel, Documenta 5) e dentro deste quadrado escreveu, em 3 línguas diferentes, “propriedade privada”. O quadrado era protegido por correntes suspensas em todos os seus quatro lados e a palavra “museu” foi inscrita na janela, de modo a ser lida pelo lado de fora da instituição[10]. Se esta obra nos lembra que o que está dentro do museu (no caso da Neue Galerie, um espaço público, gerido pelo Estado) é propriedade de poucos, também a rampa antimendigo nos lembra que o espaço público urbano não é um espaço comum a todos, mas um espaço a todo momento moldado por interesses econômicos das classes dominantes, estas representadas pelo Estado.
No Arte Cidade de 2002, na Zona Leste, alguns moradores de rua da região experimentaram o Homeless Vehicle, de Krzysztof Wodiczko. O primeiro protótipo do veículo para moradores de rua foi preparado em 1988, quando a cidade de Nova Iorque passava pelos mesmos problemas que São Paulo enfrenta acentuadamente hoje: a falta de moradia (despejos em massa) e a gentrificação (conversão de bairros da classe trabalhadora em bairros de consumo da classe média)[11]. Os excluídos de propriedade eram estimados entre 70 mil e 100 mil pessoas (aproximadamente 1,5% da população total da cidade). Muitos desses excluídos começaram a usar carrinhos de supermercado ou sacos de transporte de correio para fazer a travessia de seus pertences nos arredores da cidade, e para coletar latas e garrafas para vender. Para desenvolver o projeto do Homeless Vehicle, Wodiczko entrevistou moradores do Tompkins Square Park, símbolo de resistência e organização política[12]. Segundo o geógrafo Neil Smith,
- O Homeless Vehicle baseia-se na arquitetura vernacular do carrinho de supermercado e facilita algumas necessidades básicas: de transporte, de descanso, de dormitório, de abrigo, de lavatório. A mobilidade espacial é um problema central para pessoas excluídas de espaços privativos do mercado imobiliário. Sem uma casa, ou algum lugar para guardar seus pertences, torna-se difícil mover-se pela cidade pelo fato de ter que carregar consigo todas as suas coisas. Assim, o compartimento mais baixo do veículo está projetado para carregar pertences – malas, roupas, cobertores, comida, água, latas vazias.
- Encontrar um lugar para dormir também é um problema, assim o compartimento de cima, que pode ser usado para carregar coisas durante o dia, pode ser desmembrado em três seções. Cada seção é formada por um plástico resistente à prova d’água, e quando esticado, este compartimento superior forma um lugar para dormir. Por este motivo, Wodiczko tem também se referido ao seu projeto como um “veículo-abrigo”. Diariamente, o lavar-se também se constitui em dificuldade para esses excluídos: o “nariz cônico” de alumínio do veículo, lembrando satiricamente um foguete ou qualquer outro dispositivo high tech militar, dobra-se para se transformar em uma bacia de lavagem. Em um modelo anterior Wodiczko tentou projetar um toilet bioquímico na traseira do veículo, mas esta idéia se mostrou impraticável[13].
Expulsos dos espaços privados do mercado imobiliário, os sem-teto ocupam espaços públicos, mas sua presença na paisagem urbana é violentamente contestada. Sua visibilidade é constantemente apagada por esforços institucionais de removê-los para outros lugares – para albergues distantes do centro, para bairros pobres, para outros espaços marginais. Assim como o Homeless Vehicle autoriza o morador/a moradora de rua a apagar sua própria remoção, uma vez que acentua a sua identidade e aumenta sua escala geográfica na ocupação do espaço urbano, a rampa antimendigo, paradoxalmente, converte um espaço excluído em conhecido.
Como se produz um território
Segundo Henri Lefebvre, uma vez que o espaço abstrato do modernismo e do capital tende a uma homogeneidade, na direção da eliminação das diferenças ou peculiaridades existentes, um espaço não pode nascer (ser produzido) a não ser que ele acentue diferenças[14].
Da mesma forma, nas palavras de Jorge Menna Barreto e Raquel Garbelotti,
- A questão da especificidade em relação a um lugar, que é uma das preocupações dos trabalhos site-specific, aborda também a questão da diferenciação dos lugares. No momento em que afirmamos especificidades, estamos apontando o que esse lugar tem de diferente em relação a outros. Ao trabalharmos especificidade, produzimos diferença e particularidade. E esse parece ser o “atrator oculto” do termo e das práticas site-specific para a autora Miwon Kwon. Num mundo de globalização e, portanto, de achatamento de diferenças, a afirmação da diferença e da especificidade parecem gerar “saliências” nos espaços lisos do capitalismo tardio mostrando portanto o caráter contestatório e crítico das práticas que tem a especificidade como ingrediente[15].
Ao escancarar as diferenças de classe da nossa sociedade, as rampas antimendigo espalhadas por diversas partes de São Paulo convertem áreas previamente excluídas em conhecidas, produzidas, construídas. Miwon Kwon diz que “a arte site-specific pode fazer emergir histórias reprimidas, prover apoio para uma maior visibilidade de grupos e assuntos marginalizados e iniciar a redescoberta de lugares “menores” até então ignorados pela cultura dominante”[16]. Quebrando o nexo dominante da paisagem urbana, as rampas perpetram um escândalo socialmente criado e tornam públicas tanto a marginalização quanto a recusa a essa marginalização. As pessoas que defendem as rampas antimendigo alegam que não podemos aceitar que pessoas morem nas ruas. As pessoas que são contra as rampas antimendigo alegam que não podemos aceitar que pessoas morem nas ruas e, menos ainda, aceitar que o Estado retire dessas pessoas o único direito que elas e eles conquistaram: o de existir[17].
Desterritorialização
Uma das maiores controvérsias na história da arte site-specific foi a destruição da obra Tilted arc [Arco inclinado], de Richard Serra, da Federal Plaza, Nova Iorque, em 1989. Os que se opunham à escultura objetivavam “ampliar o uso público da praça”[18] e sugeriram a relocação da obra, ignorando que, nas práticas site-specific, o trabalho muda de acordo com as circunstâncias onde a obra é produzida e mostrada. Como expôs Serra, remover a obra seria destruir a obra.
Os quatro anos de debate em torno do Tilted arc contribuíram para um aprimoramento do que alguns setores entendiam por arte pública. O folheto do programa Arte-na-Arquitetura da Administração Geral de Serviços (GSA), que anteriormente havia comissionado a escultura de Serra e depois defendido a sua remoção, afirmava que o objetivo da arte pública deveria ser sua “integração” com um site. Mas o potencial crítico de Tilted arc, assim como o potencial crítico das rampas antimendigo, está justamente no fato de operarem como interrupção de determinados espaços, e não como integração. Como diz Rosalyn Deutsche,
- a arte site-specific afirmativa, dotada com uma aura de responsabilidade social, naturaliza e valida as relações sociais de seus sites, legitimando espaços como acessíveis a todos quando estes podem ser propriedades privadas ou quando excluem grupos sociais inteiros[19].
Apesar do caráter não-afirmativo de Tilted arc, Richard Serra insistiu que, pelo fato de um trabalho site-specific incorporar seu contexto como parte essencial do trabalho, site specificity denotaria permanência, quando na verdade a relação entre site specificity e permanência é mais complexa. Segundo Deutsche,
- uma vez que projetos site-specific são baseados na idéia de que o significado é contigente mais que absoluto, eles na verdade implicam instabilidade e impermanência. (…) A crença na atemporalidade da arte, na sua determinação por uma essência estética e a sua independência em relação a contigências históricas é precisamente o que as práticas contextuais desafiaram em um primeiro momento[20].
Agora nos resta seguir lutando por outras contigências históricas, torcendo para que as rampas antimendigo se atualizem em um site-specific efêmero e discursivo, do qual este texto já é parte.
Notas de rodapé
[1] O mais correto seria eu utilizar o termo “rampa antimoradores de rua” ou ainda “rampa anti-pessoas em situação de rua”, mas estou utilizando o nome popularizado pela mídia corporativa.
[2] Em 2 de junho de 2004 a prefeitura de São Paulo recebeu um empréstimo do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento. Esse financiamento diz respeito ao Programa de Reabilitação da Área Central – uma série de ações como a recuperação de edifícios degradados, que têm como objetivo transformar o perfil econômico da região. Para totalizar os 100% do valor do programa, 60% foi colocado pelo BID e 40% pela prefeitura (o que chamamos de contrapartida, exigida por contrato). Pedro Arantes, em sua dissertação de Mestrado “O ajuste urbano: as políticas do Banco Mundial e do BID para as cidades latino-americanas” comenta a irracionalidade do endividamento externo para políticas urbanas: “A inadequação entre meios e fins no empréstimo externo para realizar políticas urbanas e sociais é um tanto evidente: contrai-se uma dívida em dólares para efetuar gastos, na sua maior parte, em reais. Investimentos em saneamento, urbanização de favelas, estações de trens, recuperação ambiental e políticas sociais são realizados basicamente em moeda nacional”. Outro ponto fundamental para se entender este contrato diz respeito à escolha das intervenções a ser realizadas. Os projetos que a prefeitura apresenta como contrapartida devem ser autorizados pelo BID, o que caracteriza total dependência ao banco no planejamento urbano da cidade. A rampa antimendigo talvez não seja aceita como contrapartida pelo BID, mas ela sem dúvida integra o conjunto de ações da prefeitura atual no sentido de “revitalizar” a região central de São Paulo e é isso que me autoriza a dizer que a obra é, mesmo que indiretamente, financiada pelo banco.
[3] Ao longo deste texto vou manter a expressão no seu original inglês. Ver Jorge Menna Barreto e Raquel Garbelotti, “Especificidade e (in)traduzibilidade”, na publicação do 13º Encontro Nacional da ANPAP, 2004: “Uma tradução literal do termo site-specific provavelmente originaria algo como sítio específico no português. Tal literalidade corre sérios riscos, como, por exemplo, a confusão em relação à obra e ao lugar. No inglês, a expressão é usada como um adjetivo para caracterizar a especificidade da obra de arte. A expressão sítio específico em português qualificaria o lugar como sendo específico, e não necessariamente a obra, pois funciona como um substantivo”.
[4] Miwon Kwon, “One place after another: notes on site specificity”, em October 80, 1997.
[5] Richard Serra, Writings, interviews. Chicago: University of Chicago Press, 1994. p. 203. “A especificidade dos trabalhos site-oriented significa que eles são concebidos por, dependentes de, e inseparáveis de seu local”.
[6] Cf. (Barreto e Garbelotti, 2004).
[7] Richard Serra, “Tilted arc destroyed”, em Art in America nº5 (maio 1989), p. 34-47.
[8] Douglas Crimp, “Redefining site specificity”, em On the museum’s ruins. MIT, Cambridge Mass., 1993. p. 150-199.
[9] David Batchelor escreveu: “Na medida em que os trabalhos minimalistas alertam o espectador – por meio de sua forma, superfícies e posicionamento – para as contigências do local e a variabilidade da perspectiva, eles começam a implicar um tipo diferente de espectador. Pelo menos, em relação a uma teoria que compreende a percepção da arte como instantânea e descorporificada, esse trabalho implica num tipo diferente de espectador: um espectador que está corporificado e cuja experiência existe através do tempo e no espaço real”. (Minimalismo. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1999. p. 25). Para entender esta noção do espectador (des)corporificado, ler No interior do cubo branco, de Brian O’Doherty.
[10] Douglas Crimp, “This is not a museum of art”, em On the museum’s ruins. MIT, Cambridge Mass., 1993. p. 226
[11] O termo gentrificação foi usado pela primeira vez pela socióloga inglesa Ruth Glass, a partir de seus estudos sobre Londres, em 1964. A autora usou esta palavra para denominar o processo de expulsão da população de baixa renda em certos bairros centrais da cidade, sua substituição por moradores da classe média e a renovação das moradias, transformando completamente a forma e o conteúdo social desses espaços urbanos. Alguns autores preferem usar o termo “enobrecimento”, uma vez que “gentrification” deriva de “gentry” – “pequena nobreza”.
[12] O primeiro de uma série de conflitos policiais no parque ocorreu contra uma marcha de desempregados em 1874. Entre 1988 e 1991 o Tompkins Square Park chegou a abrigar mais de 200 moradores e moradoras de rua, que, após muita resistência, foram expulsos pelo prefeito Dinkins, que declarou: “o parque é um parque. Ele não é um lugar para viver”.
[13] Neil Smith, “Homeless/global: scaling places”, em Jon Bird, Mapping the futures: local cultures, global changes. Londres: Routledge, 1993.
[14] Henri Lefebvre, The production of space. Oxford: Blackwell, 1991. p. 52
[15] Cf. (Barreto e Garbelotti, 2004).
[16] Cf. Kwon (1997).
[17] Legalmente falando, a começar pela Constituição Federal (CF), a prefeitura viola o direito à moradia da população de rua ao retirá-la do lugar que conseguiram para morar, mesmo que improvisado e precário (CF, art. 6º – direito à moradia). Viola o princípio da dignidade humana (CF, art. 1º, III), ao considerá-los como menos que humanos, que nem direito a encostar-se sob uma marquise à noite podem ter. Viola os princípios da erradicação da pobreza/marginalização e da redução das desigualdades sociais (CF, art. 3º, III) por omitir-se na aplicação de políticas públicas inclusivas/compensatórias e por sua ação ser responsável pelo acirramento da desigualdade social. Viola o princípio da promoção do bem geral sem discriminação (CF, art. 3º, IV), pois a expulsão promove o bem-estar segundo critérios de classe (os miseráveis são tratados como se não tivessem direito a ter seu bem-estar promovido pelo Estado, como se apenas as “pessoas de bem” o tivessem). No Estatuto da Cidade (EC), a prefeitura viola o direito da população de rua às cidades sustentáveis (EC, art. 2.º, I), pois estas pessoas são privadas do direito à terra urbana, à moradia (já visto), ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao trabalho e ao lazer através de uma medida do poder público que pretende apenas tratá-las como dejetos, como escória a ser removida, como indesejáveis no processo de gentrificação do centro de São Paulo. Colaboração de Manolo, que recomenda como leitura A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares, de Nelson Saule Júnior (Porto Alegre: Sergio Antono Fabris, 2004).
[18] Para uma discussão aprofundada sobre a noção de “uso público”, ver Rosalyn Deutsche, Evictions: art and spatial politics. Cambridge (Ma): MIT Press, 1996. p. 259
[19] Idem. p. 261
[20] Idem. p. 264
Este texto de Graziela Kunsch foi licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição – Uso Não Comercial – Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.