De manhã:
a) Fala inicial sobre a situação atual do assentamento Ireno Alves dos Santos e sobre o projeto do Núcleo Urbano na antiga vila barrageira por um dos coordenadores do movimento;
b) Apresentação do resultado das discussões sobre Produção, Gestão e Vida coletiva, realizadas no primeiro Seminário (sistematizadas no relatório já apresentado), com relato dos assentados que haviam participado daqueles debates;
c) Exibição de slides pela USINA do seu trabalho em São Paulo de produção de habitação junto aos movimentos de moradia e em seguida, slides do seminário realizado na vila barrageira e imagens de como ela era anteriormente. Neste ponto eram convocadas pessoas a avaliar o seminário e a história de transformação da vila;
d) Os participantes dos seminários (de 60 a 150) eram divididos em três rodas de debate, das quais participavam uma liderança local e um assessor técnico da USINA. As perguntas que orientavam o debate eram:
– histórico e nome da comunidade
– o que já avançou?
– o que falta avançar? (surgindo daí propostas)
Trecho de relatório dos seminários das comunidades do Assentamento Ireno Alves dos Santos – MST
Em junho de 2008, no contexto da minha pesquisa de mestrado (Projeto Mutirão, ECA-USP), perguntei ao arquiteto Pedro Arantes, membro da USINA, se ele poderia me apresentar algum projeto desta assessoria que só houvesse existido como projeto. Isto é, que não tivesse sido realizado, ou talvez não em sua totalidade. Pedro me concedeu um depoimento de uma hora e trinta minutos, transcrito a seguir, sobre uma experiência desenvolvida junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) entre os anos 1998 e 2002, no interior do Paraná. Para minha surpresa, não se tratava de um projeto de edificações, mas de um projeto de cidade. Esta história inspirou o projeto editorial da revista Urbânia 4.
Para começar, onde foi esse projeto?
Foi no interior do Paraná, próximo ao Rio Iguaçu, no município de Rio Bonito do Iguaçu. Há várias quedas até chegar a Foz do Iguaçu. Era o Assentamento Ireno Alves, o maior assentamento de reforma agrária no Brasil na época, em 1997. É o assentamento daquelas fotos muito expressivas do Sebastião Salgado, deles entrando, abrindo a porteira, com a foice levantada. E é uma região do Paraná em que houve muita grilagem de terra. Quase todas as terras que estavam ocupadas ali eram terras públicas que foram sendo tomadas por pessoas ligadas a poderosos locais. E esse assentamento, especificamente, foi feito numa parcela de 30 mil hectares de uma grande fazenda de 100 mil hectares. Uma fazenda da empresa Araupel, de produção de celulose. Mas, mesmo para isso, a fazenda não era completamente produtiva. Tinha uma área produtiva, mas a maior parte do latifúndio estava abandonada.
Quando a Araupel chegou lá, já entrou rasgando. Tirando famílias e pequenos proprietários. É uma região do Brasil onde existe muito conflito. A gente acha que conflito fundiário acontece só no Pará, no Mato Grosso, mas essa região do Paraná é um verdadeiro faroeste. Lugar de conflitos, grandes interesses, grandes investimentos, inclusive. Na própria área dessa fazenda foi construída uma barragem, que depois foi privatizada e atualmente é um grupo belga, a Tractebel, que controla a rede elétrica da região. É uma situação quente, em que o MST conseguiu fazer um assentamento para mil e quinhentas famílias.
Como a USINA entrou nesse assentamento? Para que vocês foram chamados?
Nós trabalhamos, em geral, com grupos urbanos. Com movimentos de moradia. Até então – nós fomos chamados para trabalhar lá em 1998 – a USINA tinha oito anos de existência e sempre tinha trabalhado com movimento de luta por moradia. Em São Paulo, na Grande São Paulo, eventualmente em uma ou outra cidade fora do Estado. Nosso trabalho sempre foi urbano, pensar a habitação popular. E, mais que habitação, a produção de um novo tipo de espaço nas cidades. Ficamos surpresos que, na época, o MST veio nos chamar. “O que eles estão querendo”, não é? Por que o MST está atrás de uma equipe técnica de arquitetos, sociólogos, advogados que trabalham na produção da cidade?
Fizemos uma primeira reunião com as lideranças do MST. A questão deles era a seguinte: “Nosso assentamento é tão grande – é maior que a maioria dos municípios da região – que ele exige por si só uma cidade. Não pode ser um território totalmente espraiado, dividido em lotes de quinze hectares, porque o MST não quer construir só esse tipo de território”. Numa dimensão dessa, com mil e quinhentas famílias, cinco ou seis mil pessoas, é importante conseguir ter uma nucleação, para além das agrovilas. Ter uma nucleação que, de fato, possa centralizar equipamentos de saúde, educação, lazer, uma escola técnica do MST, que eles estavam pretendendo fazer na região. E aí eles queriam gente que trabalhasse com cidade, eles queriam saber o que era cidade, queriam se aproximar do fenômeno urbano. Uma situação um pouco sui generis: o assentamento era tão grande, o rural era tão extenso que exigia o urbano. Esse era o paradoxo que estava posto. O próprio MST se espantou com o rural que ele estava criando ali.
E eles falavam com vocês nesses termos, “a gente quer que vocês construam uma cidade”?
Nessa apresentação [de slides] há algumas frases de lideranças do movimento. Esta é a foto do Sebastião Salgado, conhecidíssima. Você tinha perguntado da região do Paraná. É mais ou menos nessa região. Temos aqui um mapa. Este é o assentamento. Depois vou explicar qual foi nossa descoberta. Mas, antes, os objetivos do MST para o assentamento e como surge o problema da cidade: “Realizar o melhor e mais moderno assentamento do país, com uma visão de futuro e de vanguarda”. Eles tinham consciência de que haviam feito uma grande conquista em relação ao poder do agronegócio, do latifúndio, e que eles não podiam fazer qualquer assentamento. Tinha que ser um assentamento modelo, para eles. “Pelo seu tamanho, maior que muitos municípios do Paraná, propomos uma agrovila principal, com a centralização de todos os serviços e investimentos comunitários”. Então, num primeiro momento, eles falavam de agrovila principal. Esse documento eles redigiram assim que conquistam a terra. Quando vão nos chamar, essas são algumas das frases que vão surgindo. Ao falar da necessidade de fazer um centrão, uma pequena cidade, uma agrovila principal, eles dizem o seguinte: “Com certeza a humanidade se desenvolve para a urbanização”. Essa é uma frase que está no documento do MST. O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra afirma que a humanidade caminha para a urbanização. E eles querem saber o que é fazer cidade. Só que a cidade deles é uma cidade que nasce pelo avesso da cidade existente.
Então eles chamam a USINA para pensar o que eles denominam de primeira cidade de reforma agrária. O tempo inteiro nós estamos trabalhando com esses paradoxos. Este aqui é um cartaz em que a gente convidava para um debate sobre o que seria essa cidade. Fizemos diversas atividades que vou contar depois para você. “Construir a cidade que queremos” era uma chamada muito inusitada para o MST convocar as pessoas.
Você pode explicar um pouco mais essa “cidade pelo avesso”?
Vou explicar. Aqui é o que as próprias lideranças nos falavam nas primeiras reuniões. O que diferencia uma cidade de uma agrovila? Porque agrovila eles sempre fizeram nos assentamentos, mas eles não estavam mais satisfeitos em fazê-las. Elas continuariam existindo, mas precisaria haver, no nível das hierarquias das agrovilas, algo que organizasse as próprias agrovilas. Não seria só formada por camponeses, o MST estava aberto a uma utopia não simplesmente agrarista. Porque o MST foi muito acusado de utopias regressivas, agraristas, e a solução para a América Latina não é uma solução, hoje, campesina, mas uma solução urbana.
Foi uma abertura, uma sensibilização do MST, de que se eles fossem fazer uma cidade de reforma agrária, não poderia ser uma cidade fechada. As cidades são abertas. O tema da cidade aberta e cidade fechada também nós tivemos que trabalhar com eles inicialmente. “Quem vai poder morar na nossa cidade? Será que vai surgir uma classe de capitalistas na nossa cidade? Vão surgir mendigos, prostitutas? Quem vai vir pra cá? Artistas, pessoas do circo, pessoas que queiram…?” A cidade é aberta ao mundo, não é como um assentamento, que é uma associação de lotes com porteira fechada.
Você vê o nó que estava acontecendo na cabeça deles ao ter que pensar que a ação prática do MST não se resumiria a assentamentos, mas produzir uma forma, para eles, totalmente nova e estranha. E essa forma é aberta, ou seja, essa forma prevê o imprevisto. É uma forma que não pode se resumir em ideologias muito simplistas, muito dogmáticas, digamos, a que às vezes o movimento acaba recorrendo, até mesmo para organizar a massa de maneira mais fácil.
Explicar a idéia de cidade era dificílimo. Passamos dois anos tentando trabalhar com os assentados daquela região discutindo cidade com eles. Chegamos a idéias fantásticas, mas foi um trabalho muito complexo.
Como é a demarcação do assentamento?
Quando eles conquistam uma área, ela entra em processo de reforma agrária e é feito, com o Incra, um plano de demarcação do assentamento junto com o projeto de desenvolvimento. No período de demarcação, naquele momento, ainda se vivia o que eles chamavam de quadrado burro. Que é pegar o terreno, esquadrinhar e dividir em retângulos, independentemente da topografia, situações mais ou menos favoráveis dos lotes, circulação. Pegar e lotear. Agora, mais recentemente, o MST começou a trabalhar com formas muito mais sofisticadas de assentamento. Mais orgânicas, com áreas coletivas e áreas individuais mais demarcadas. Mas nessa época era um momento de divisão. Cada família recebia um lote de quinze hectares, retangular em geral. Passa rio, montanha, estrada, tanto faz, o lote é demarcado daquele jeito.
Eles passavam a perceber que, se a cidade é aberta, nós não sabemos quem pode vir a aparecer e também vão surgir outros ofícios. Outros tipos de trabalhadores que podem também ser aliados. Então começaram a verificar que a dinâmica urbana poderia ser uma dinâmica interessante – mesmo sendo uma cidade dentro de um assentamento – para criar vínculos do MST com outras discussões, com outras profissões, para além do agricultor. E assentamentos no Sul do país vivem a ideologia do agricultor até o último fio do cabelo. E aí, de repente, no mínimo o agricultor tem que se sentar pra dialogar. Não dá pra manter aquela tradição quase que xenófoba do agricultor que quer manter sua raiz, seu vínculo, que vê o estrangeiro sempre como ameaça. O estrangeiro passa a ser uma alteridade na construção de um outro país, de um outro território. Esse outro território não é um assentamento em estado puro, também não é a cidade capitalista, não é a cidade de São Paulo, a cidade de Curitiba, quer dizer, é a cidade outra. Também não é a cidadezinha qualquer – vou falar para você sobre a cidade ao lado do assentamento em que se deflagrou quase que uma guerra com os coronéis locais.
Eu fui fazendo aqui um parêntese sobre os temas que estão relacionados à cidade e vou chegar às frases que as lideranças falavam. Mas outro tema que vai surgindo é a questão da política e da cidadania. Política, pólis. O nascimento etimológico da palavra política está associada com a pólis grega. Como a experiência de ação cívica, democrática, que é uma experiência urbana, a idéia da ágora, da participação, do voto, se dá pela proximidade dos cidadãos numa praça pública. Praça pública já é urbana. E a questão da cidadania, que é também uma derivação do estar-na-cidade, os direitos que a cidade lhe permite, como cidadão de uma democracia.
O MST é um movimento que preza a política e a cidadania nos seus sentidos de transformação e emancipação. Como é possível fazer política sem pólis? Como é possível fazer cidadania sem cidade? Esse era o problema que o MST começava a enfrentar. “Se nós ficamos na nossa utopia agrarista, onde a questão é fazer reforma agrária, fazer enfrentamento com o agronegócio, onde vai parar a política? Como nós nos tornamos cidadãos sem cidade? É possível cidadania rural? É possível a política em territórios dispersos?” Então passava a ser um tópico importante, o de que o fator aglomeração não era apenas uma necessidade territorial ou econômica, mas uma necessidade organizacional. Uma necessidade do MST de reinventar a política depois de assentado. Tal como os sem-teto – depois que constroem suas casas com autogestão, entram, fecham as portas e diminuem muito o poder organizacional e de mobilização deles – os assentados, depois que vão para os seus lotes, também fragmentam o movimento. Passam até a ver o movimento como um estorvo, como uma desnecessidade. E o MST estava vivendo esse dilema. Quer dizer, “nós somos muito bons em fazer ocupação, em fazer acampamento, em fazer reivindicações, de conseguir pôr o povo na terra e, depois que o povo vai pra terra, nosso projeto quase que esmorece”. São poucos assentamentos que têm experiências bem-sucedidas de cooperativismo, autogestão, de trabalhos coletivos. E num assentamento gigantesco como esse, pior ainda, a gente pode estar construindo a negação da nossa própria utopia. Que é justamente a pequena propriedade individualista, o sujeito que está querendo emular o fazendeiro, quer ser o pequeno fazendeiro bem-sucedido. Criar mini-agronegócios, não é? Não era isso que o MST queria.
Essa dispersão, esse espraiamento que o assentamento produz, quer dizer pegar cinco mil pessoas que estavam acampadas num lugar chamado buraco – que era uma baixada no terreno, onde ficava todo mundo junto. Parecia, de fato, um acampamento de guerra, uma comuna…
Eles próprios chamavam de buraco?
Chamavam. E você coloca e distribui esse pessoal todo em dezenas de milhares de hectares… Quer dizer, onde foi parar a autogestão? Onde foi parar a organização? De fato se criou um vazio organizativo. E aí vão surgindo pequenas lideranças locais que vão criando uma dinâmica de minicoronéis. O MST, percebendo isso, falou: “Nosso projeto para os assentamentos tem que ser um projeto para além das questões da agricultura, da agronomia. Nosso projeto para o assentamento é um projeto político, territorial, em que a gente está discutindo essa nova geografia que nós estamos produzindo. E essa geografia tem que permitir a política, tem que permitir a capacidade de organização, de mobilização, de discussão. E para isso vamos voltar à cidade”.
Tudo estava levando as lideranças e os assentados mais ativos do movimento a terem que pensar uma maneira de se reaproximar. Aí se chamava de agrovila central, centrão. Alguns chegam a falar em cidade. Estas são as frases que eles falam: “Nós queremos uma cidade que não seja lugar da exploração”. Na primeira reunião, é óbvio que nós, já um pouco descolados em educação popular, apesar de sermos arquitetos, ficamos um tanto desnorteados: “Bom, mas, e aí? Que cidade vocês querem fazer?” Em vez de a gente ficar dizendo qual é a cidade que nós poderíamos fazer, como arquitetos e urbanistas, nós resolvemos perguntar: “Qual é a cidade que vocês querem fazer?” Então, as respostas foram: “uma cidade que não seja lugar da exploração”, “que não seja um lugar de discriminação”. “Uma estrutura montada sob uma nova concepção social”. “Associar a vida campesina com a vida urbana”. E “uma cidade como forma de organização do movimento”.
Veja aí que, primeiro, há uma negação da cidade. O MST tem uma visão muito negativa da cidade. A cidade concentra todos os males, todas as perversões. E eles estão começando a ter que superar isso. “Temos que voltar a entender cidade. A cidade que queremos vai ser uma negação dessa cidade, mas também tem coisas na cidade que não são a negação da utopia pela qual lutamos. A cidade como espaço de encontro, de cultura, de conflito, de democracia, de política, também é o que queremos”. Não é possível rejeitar a cidade em bloco, dizer que a cidade tem tudo que há de mal. Nós perguntávamos: “Nós vamos fazer uma nova Canudos, uma nova cidade meio messiânica? Não, não é possível”. Temos que fazer um debate franco sobre a experiência urbana, tem-se que aprender com essa experiência urbana, existe muita luta social na cidade também. O MST tinha que se abrir para isso.
E essas lideranças, nessas primeiras conversas, nós percebemos que tinham disposição para tentar entender isso. E essa frase deles é muito reveladora, veja só: “Cidade como forma de organização do movimento”. Como? É outro paradoxo: uma liderança do MST, no interior do Paraná, fala que a cidade é a forma de organização do MST… E, para a gente, essas contradições é que nos motivavam. Porque é um trabalho que instiga a gente a ter que pensar caminhos novos, você não vai repetir uma cidadezinha qualquer, fazer quadrado burro, fazer um monte de casinhas e distribuir em lotes.
Na hora em que nós tivemos que preparar um material didático para conversar com os assentados, fizemos uma cartilha, fizemos dinâmicas para as primeiras reuniões, trabalhamos um pouco com teatro didático, até o ponto em que chamamos a Companhia do Latão para trabalhar junto com a gente. Nós víamos que o MST tem uma experiência urbana. Que é a experiência do acampamento. O acampamento, de barracos de lona na beira da estrada, é uma minicidade. No acampamento eles estão próximos, eles têm espaço de formação, eles estão organizados em setores e núcleos. Não tem a forma convencional de cidade, mas ali a relação social está se dando pela proximidade embaixo das lonas pretas; enfim, o que é a forma de cidade? Existe um cânone da forma de cidade ocidental… Quer dizer, há uma experiência muito rica, e as pessoas que trabalham com o MST sabem que o momento do acampamento é o momento mais frutífero da formação, do combate, do conhecimento recíproco. Mas é um momento muito precário. É um momento em que no verão você passa calor, no inverno você passa um frio de rachar. Em que as crianças estão com o pé no barro, em que você tem saneamento inadequado, em que você tem condições de alimentação precárias. Essa precariedade e transitoriedade da forma acampamento dava a entender que… ela não era adequada para uma estrutura mais permanente de assentamento. Quando a forma acampamento é adequada sim, a questão é superar a precariedade, construir uma nova qualidade espacial para o que já está acontecendo ali.
O desafio é que, se o acampamento deixar de ser um acampamento para passar a ser uma forma mais consolidada, mais bem-estruturada do ponto de vista ambiental, já estaríamos dando o primeiro passo para o MST entender o que poderia ser uma experiência urbana. Eles vivenciam isso, ainda mais em acampamentos gigantescos como esse, que acontecem na beira da BR, com milhares de pessoas juntas.
As próprias lideranças, no momento em que eram assentadas, viviam na própria pele. “Saí do acampamento e fui para o meu lote. Aquela luzinha lá na colina é o meu vizinho mais próximo. Para eu ir pedir um favor, o sal porque faltou, já é uma bela caminhada”. Você vai perdendo essa cotidianidade do diálogo que é fundamental para a formação do poder popular. Poder popular não nasce com uma casa a cada dez hectares, é muito difícil isso. Muito menos imaginar que vamos trabalhar em redes, que vamos estar todos conectados, não faz sentido nenhum. Esse assentamento ficou cinco anos sem energia elétrica. Estamos num grau em que a proximidade física das pessoas é decisiva para capacidade de mobilização, de questionamento das estruturas vigentes.
Nós fomos lá pela primeira vez… Aqui está a imagem do assentamento. Isto aqui tudo é uma represa. A barragem está aqui embaixo. Esta é uma das represas das hidrelétricas do Iguaçu – acho que são sete – até chegar a Foz. O rio Iguaçu tem várias quedas e nessas quedas são feitas as represas. Esta é a represa de Salto Santiago. Parte da represa está na área do assentamento. Existe um braço de represa dentro dele. E o que nós vamos descobrir? Que a vila barrageira, a cidade operária que é construída para fazer a represa, estava dentro do assentamento. Só que ninguém sabia disso. Foi uma coincidência. Em 1998, quando eles entraram em contato com a gente, poucos meses depois, enquanto a gente estava discutindo o centrão – a princípio eles queriam o centrão bem no centro do assentamento – eles descobrem que existe uma super infra-estrutura dessa vila barrageira bem no meio do mato. Parecia Indiana Jones, assim, com facão, você indo abrir e descobrindo que havia uma infra-estrutura gigantesca de uma cidade que chegou a abrigar oito mil trabalhadores, em que estava toda uma estrutura viária, de drenagem; os clubes estavam todos lá, com piscinas olímpicas, com quadras esportivas. Havia um teatro e um cinema. Não sobraram as paredes, mas sobrou o piso com caimento e o palco. Nessas cidades de construção de barragem, toda a parte de fundações, bases e infra-estruturas urbanas são fixas e as edificações são móveis. Elas são pré-fabricadas para que a empreiteira leve para a obra seguinte. Desmonta aquelas casas e leva para uma outra situação, uma outra construção a muitos quilômetros dali.
Então, não havia casas, mas havia todas as bases que davam infra-estrutura para as casas. Não tinha o prédio do refeitório, mas tinha uma enorme chaminé do refeitório. Havia um hospital que ficou em ruínas, que era o maior e mais moderno hospital da região. Foi descoberta uma infra-estrutura fantástica que, por baixo, a gente calculava que teve um custo de quatro milhões de reais, na época. Drenagens, captação de água de chuva. Havia um gerador que parecia uma locomotiva de trem, que estava guardado em perfeito estado. Tinha ficado lá dentro, tanto assim que a gente religou esse gerador.
Foi uma incrível coincidência. O MST nos chama para falar de uma cidade nesse assentamento, que era o maior assentamento – hoje já não é mais, mas era o maior assentamento de reforma agrária – e alguns meses depois descobrem que a cidade está lá dentro, existia uma cidade lá dentro! Parece que eu estou contando uma anedota, história de pescador. Mas é verdade. Teve-se que abrir caminho no meio do mato… Acho que vão aparecer umas imagens aqui. Ali está a barragem, com a represa. Aqui as ruínas que nós fomos encontrar. A chaminé do refeitório, restos de tesouras de telhado, as estruturas do hospital, o lado externo do hospital. E esta era a imagem da vila barrageira quando ela existia, com os pré-fabricados, as casas, coberturas em abóbodas. Arquitetura bem interessante. Olhe só, a escala da cidade…
De que ano era?
Foi iniciada em 1979 e a barragem foi construída até 1984. A cidade funcionou nos cinco anos de construção da barragem. Olhe só, uma foto aérea, da barragem em construção. E como era a estrutura de uma vila barrageira? A gente estudou como funcionavam as vilas barrageiras. Conseguimos com a Companhia de Energia Elétrica do Paraná todas as plantas, todos os projetos da época. É uma cidade-empresa. Uma cidade totalmente estratificada. É uma cidade feita pela construtora. Você tem o bairro dos engenheiros, o bairro dos operários qualificados casados, que têm um status superior ao dos qualificados solteiros. Depois há simplesmente um barracão, na beira da estrada, para os operários desqualificados. Do lado do barracão, um prostíbulo. E a vida deles é aquilo…
A experiência urbana dessa cidade… A segregação é imensa. Quer dizer, você tem o clube dos engenheiros e o clube dos operários. Tem o refeitório dos engenheiros, tem o refeitório dos operários qualificados e o refeitório dos operários não-qualificados. Essa estratificação que a gente vivencia na nossa cidade, às vezes de uma maneira meio escondida, meio desordenada – mas que em São Paulo não é tão difícil perceber como acontece – lá era delimitada como giz no chão. Dali pra cá há uma barreira, você não passa, esse é o bairro dos engenheiros.
Alguns dos assentados foram construtores da barragem e um deles estava naquele momento construindo a casa dele na vila, com nossa assessoria, no que era o antigo bairro dos engenheiros. Quando fomos fazer as atividades com os assentados, ele falou: “Olha, eu quero chamar o engenheiro que trabalhou aqui comigo para ver; vou convidar ele para um churrasco. Minha casa está no bairro deles, um bairro onde eu nunca pude entrar, porque não era permitido a gente entrar aqui”. Então, quando descobrimos a vila barrageira não só apareceu uma cidade dentro de um assentamento de reforma agrária, como apareceu uma cidade em que estava inscrita uma história de violência e de segregação. Um canteiro de obras de uma barragem é um dos canteiros de obras mais violentos que existem. Mortes atrás de mortes. Gente que desaba no meio das concretagens, escavações.
O que estava acontecendo ali? A descoberta de uma cidade que era a negação da cidade que eles queriam fazer. Quer dizer, “nós queremos uma cidade que não fosse estratificada, queremos uma cidade democrática, uma cidade horizontal, uma cidade plural”. E ali não, era a cidade-empresa, a cidade estamental. Muito bem, isso era mais um incentivo para se pensar. Mas, ao mesmo tempo, estava gravada no chão aquela determinada forma. Você tinha que dialogar com ela, tinha que negar aquela forma, mas ela não desaparecia, ela estava lá.
E a nossa grande batalha naquele momento: começamos a ter que discutir com o Incra como íamos lotear a cidade. Porque o Incra queria fazer o mesmo quadrado burro. “Tem quadras aí? Então vamos dividir lotinho por lotinho pra todo mundo”. No momento em que eu entrei na USINA e comecei a estudar as coisas junto com a outra arquiteta que estava aqui, a Joana Barros, falávamos: “Vamos tentar pensar em casas que vão se conectando e criando espaços que são fluidos. Tudo bem, cada casa pode ter seu quintalzinho, porque há lá alguns animais e outras coisas, mas que elas não demarquem uma situação de lote, cerca, que é definidora do rural e, enfim, não queremos reproduzir isso no urbano. Urbano murado, não é o que a gente quer”.
E o Incra não teve diálogo, foi fazendo do jeito dele, era poder institucional. Governo Fernando Henrique, Jaime Lerner no Paraná, e nós perdemos essa guerra. Eles fizeram um loteamento convencional na cidade. E a produção das casas, que nós passamos a fazer, teve que estar inserida nesse tipo de lote. Começou-se a debater o nome da cidade, porque o MST queria dar um nome de um lutador do povo para a cidade e o Incra batizou a cidade com o nome de um burocrata da instituição. O Incra começou a perceber que era uma jóia aquilo que foi descoberto no meio do assentamento e queria ter seu ganho político com aquilo. Mais que isso, queria imprimir a sua institucionalidade de governo contra a possibilidade de uma ação autônoma do movimento.
Toda a discussão de emancipação que estava acontecendo nessa cidade começava a ter agentes externos que iam tentando modelar a cidade ao seu modo ou tentando boicotá-la, simplesmente. Depois vou falar da história dos coronéis locais que começaram a tentar fazer com que o nosso projeto não desse em nada.
E vocês não puderam desenvolver muito o projeto de cidade? Porque desde o início existia esse problema dos lotes…
Nós tivemos que manter essa estrutura mais ou menos radial, com um centro. Algumas dessas edificações ainda existiam. E aqui foi reloteado quase como o projeto original. Só que não havia o bairro dos engenheiros e dos operários. Mas eram quarteirões convencionais. Era uma cidadezinha de interior qualquer. Tudo que o MST nos estimulava a pensar e que nós também o provocávamos a pensar: “Vamos fazer uma cidade diferente, a cidade precisa ser experimental, a cidade tem que criar situações outras e não se espelhar na cidadezinha de interior que existe ao lado”. Essa mentalidade estreita que define esse tipo de urbanização estava marcada no território. É muito fácil pegar e relotear como era antes. E o Incra fez isso. Parte do MST também achou que esse era o caminho mais fácil, depois acabaram reconhecendo que foi um erro tático nosso deixar que isso acontecesse. Porque isso inscreve uma determinada dinâmica urbana. E nós não queríamos aquela dinâmica urbana. Mas, enfim, nossos trabalhos todos têm situações de conflitos e de lutas. Não dá para falar de luta de classes propriamente, porque era com o Estado. De disputa pelo significado das coisas. E esse significado tem uma visualidade, tem uma materialidade, tem uma forma. E é nisso que se dava o embate.
O que a gente conseguiu fazer? Veja aqui o estado em que a gente encontrou a vila. Aqui já está limpo, depois de um mutirão. O mato foi retirado, fizeram até queimadas para tirar o que estava atrapalhando os espaços e replantamos, pintamos. Aqui já é a cidade começando a ser reconquistada. Aqui uma das primeiras festas que aconteceram na cidade. Houve uma maratona em que a corrida terminava lá.
De um lado nós tivemos essa encomenda de fazer a discussão da cidade. E concomitantemente eles queriam que nós orientássemos a construção das casas. Havia recursos de dois mil e quinhentos reais pra fazer uma casa. O que, mesmo com correção monetária, não daria nem sete mil reais hoje. O valor que o Incra dá para fazer habitação em assentamentos hoje está em cinco mil reais. O que é ridículo. Mas nós tínhamos o desafio de fazer com dois mil e quinhentos reais uma casa digna. E parte dessas casas já seria feita na vila barrageira. Havia assentado que resistia: “Pô, eu fiz a luta pela reforma agrária e não vou morar numa cidade! Eu quero morar no meu lote”.
Das quinhentas casas que nós construímos com eles, metade foi na vila e a outra metade nos lotes rurais. O que gerou uma batalha pelo convencimento. O MST não se move como uma coisa única, ainda mais num assentamento desse porte. Mesmo que as lideranças estejam apontando para um caminho, muitos dos assentados falavam: “Não, nós entramos nessa, porque nós queremos nossa vida de agricultor, queremos ficar nisso”. Rechaçaram a idéia da cidade e nós tínhamos que conquistá-los para essa idéia, de maneira democrática. “Se metade já está conquistada, está querendo fazer a casa ali, vamos ver se dá certo mesmo. Dando certo, eles vão se interessar em vir pra cidade. Não precisamos pegar e botar todo mundo na cidade por decreto. Autogestão e democracia é assim. Nós trabalhamos dessa maneira e temos que aceitar que nem todos queiram construir na cidade”.
Construímos quinhentas casas. Estou falando em mil e quinhentas famílias. As casas foram feitas em etapas. O assentamento é grande. Então o Incra foi lá, assentou as famílias em levas. Nós pegamos a primeira leva, das primeiras quinhentas casas. Como a gente constrói quinhentas casas dispersas? Algumas na cidade, um pouco mais concentradas, mas outras espalhadas por um território infindável. O MST montou uma cooperativa de construção civil que nós orientamos e capacitamos. Foi fantástico, porque o MST tem um know how de organização de cooperativas. Às vezes vivem lá seus problemas, mas naquele momento a cultura do cooperativismo era muito importante para o MST. Depois entrou em crise, depois tentou se reabilitar. Tem altos e baixos. Mas, que eu saiba, pelo menos ali na região – sei que o MST tem cooperativas de construção também no Rio Grande do Sul – foi a primeira cooperativa de construção. Juntou mais ou menos trinta pessoas. Eles geriam recursos, compravam materiais e executavam as casas.
As casas não foram feitas por mutirão. Às vezes os moradores ajudavam, em comum apoio, mas as casas eram feitas pela cooperativa. Dos dois mil e quinhentos reais a cooperativa retirava algo como quatrocentos reais por casa, como pagamento da mão-de-obra. Uma maneira de gerar renda, conhecimento, fortalecer um grupo, mostrar que o MST é capaz de dominar outros ofícios que não só agricultura. Que a construção civil poderia ser um espaço interessante para eles desenvolverem até estratégias de organização e geração de renda para além da agricultura.
Funcionou muito bem, com seus percalços. Numa cooperativa de camponeses, para a gente ensiná-los a fazerem uma parede reta era duro, porque aquelas mãos de camponeses, pesadonas… Para trabalhar na construção civil é preciso ter mão leve, você maneja prumo, esquadro, nível, tem que saber dar a batidinha para assentar direitinho o bloco. Muitos dos assentados ali, que estavam na cooperativa, nunca tinham feito isso e tiveram um aprendizado muito rico. Tanto dessa parte muito prática do ofício, quanto da gestão, da distribuição de material, que é uma loucura distribuir em tantas casas dispersas. Nós estamos terminando agora uma obra num assentamento do MST aqui do lado de São Paulo que são sessenta casas, e aí a gestão direta nossa com os assentados é uma loucura, imagina gerir as quinhentas….
Eles conseguiram construir 475 casas. Vinte e cinco casas não se completaram. Eu acho um mérito fantástico fazer… Quantos por centos dariam isso, 95% das casas? Qualquer obra de qualquer empreiteira entra aí com pedido de aditamento de 15%, 20%, 25% que é o teto de aditamento permitido pela legislação. Eles não conseguiram completar por 5%. É um déficit que aconteceu. Só que o Incra não adita, dá um valor complementar para terminar as casas.
O que aconteceu? A experiência da cooperativa é vista como fracassada, porque não conseguiu fazer todas as casas. Com isso, entrou processo contra a cooperativa. Os próprios funcionários do Incra que fiscalizaram a obra também sofreram processos, porque faltaram 25 casas. Mas não se pensa que é uma política pública totalmente insana de fazer casa com aquele valor. Que qualquer empreiteira que fizesse as casas tem direito de fazer aditamento em obras públicas, mas esse tipo de financiamento que era dado aos assentados não permitia aditamento. Qualquer obra de construção civil tem percalços de todos os tipos. De aumento de preço de material, problema de taxas de desperdício, deslocamento desse material, distribuição. Todo mundo sabe que construção civil não consegue ter patamares estritos de custo. Em vez de receber um socorro – ainda era o governo Fernando Henrique –, de alguém que dissesse: “Bom, faltou 25 casas, fizeram 95%. Muito bem, vamos completar o recurso, vamos terminar a experiência”. Mas, não!
Com isso se criou, mesmo para os assentados, a idéia de que a cooperativa tinha fracassado. E isso foi um baque tremendo, porque a cooperativa era um dos nossos braços para discutir a cidade. Cidade e construção civil têm tudo a ver. Quer dizer, a cidade é uma segunda natureza. Um espaço que é construído pelos humanos sobre a primeira natureza. Ele é construído basicamente pela experiência física do trabalho de arquitetura, de engenharia, dos pedreiros, dos construtores.
De repente a equipe que iria viabilizar grande parte da nova cidade estava ali desmotivada, desmoralizada, questionada. Aqui são algumas imagens das nossas discussões. Primeiro, sempre trabalhamos com projetos com a participação da população. Nunca chegamos com projeto pronto. Então, de cara, nós não íamos levar: “Olha, o projeto do Incra é esse, uma casinha assim e assado, vamos fazer essa casa”. Não! Fizemos longas conversas com as famílias, com diversas dinâmicas. Fizemos trocas de conhecimentos deles conosco. Enfim, o que é morar no campo? Era a primeira vez que a gente estava fazendo casa em assentamento. Depois fizemos várias outras, mas aqui a dinâmica era diferente. A gente até levou nossos modelos de projetos nas cidades com movimentos de moradia. “Mas, como fazer isso? Precisa ter a varanda. Precisa ter o banheiro do lado de fora. Eu chego em casa com a bota cheia de barro, como faz?” Fomos percebendo que havia uma dinâmica do morar do camponês que era diferente. Mesmo fazendo cidade, não era a casa urbana no primeiro momento o que eles queriam. “Cozinha americana, o que é isso? Como é que faz, qual a posição do banheiro? Posicionamento de tanques, janelas?” Isso foi muito rico. Então a cooperativa partiu de uma discussão de projeto e ela foi ativa, não foram uns arquitetos que chegaram lá com as plantas prontas.
E como era o projeto final da casa?
Aqui está. Essas são algumas das casas. São casas simples. Você vê aqui uma varanda – ela está toda rebocada, não está pintada ainda. Nessa varanda, numa maneira de simplificar, nós usamos canos de PVC para fazer os pilares. Foi possível, até por causa do clima de lá, que chega a temperaturas muito baixas – muito baixas para padrões brasileiros – fazer um telhado com forro, a casa com parede de blocos cerâmicos de boa qualidade. Há o conforto térmico necessário. Algumas gracinhas, paredes com recuos, criar uma pequena volumetria. Nós trabalhávamos em São Paulo, naquela época, com financiamentos de 12,5 mil reais. Estávamos fazendo uma casa com um quinto desse valor. Nós chegamos a fazer casas de setenta metros quadrados. Estamos fazendo agora, de novo. Três dormitórios, com várias brincadeiras de arquitetura, varandas e coisas desse tipo. Lá, não, era coisa espartana, mínima.
Qual era o tamanho da casa?
Quarenta e quatro metros quadrados, se não me engano.
Como era a cozinha?
A cozinha tinha dois modelos. Uma cozinha integrada com a sala e a outra era uma cozinha separada. Quando a cozinha era separada, ela de fato ficava pequena. Porque com quarenta e quatro metros quadrados você não faz uma casa muito grande. E não era uma opção nossa que fosse desse tamanho. Era uma falta de opção dada pelo financiamento. E dentro do financiamento o melhor foi isso. Até apareceram outros… Aqui do lado você está vendo uma outra casa que está sendo feita com pilaretes de concreto e paineizinhos de concreto. Veio uma empreiteira e falou: “Eu faço a casa por cinco mil reais, desse jeito”. Era uma casa de trinta e quatro ou trinta e três metros quadrados, alguma coisa assim, que no verão era quentíssima e no inverno um freezer. Não tinha condição acústica nenhuma. Era péssimo! Telhados de amianto, que são tóxicos e proibidos.
Mas quando a gente fazia o espaço único, o projeto de que a gente mais gostava, que era a sala e a cozinha integradas, você tinha uma dinâmica muito mais rica da casa. Não separava o espaço do produzir o alimento do espaço da sala, do descanso, da televisão. Inclusive do ponto de vista do núcleo familiar isso era mais interessante.
E num dos projetos que a gente tentou fazer, mas que não se encaixava no orçamento e não chegou a tempo, era a cozinha como um espaço super simbólico. Porque, para um camponês que lutou pela reforma agrária, que produz seu próprio alimento, o momento de preparar o alimento tem uma significação de finalização de um processo de luta. Quer dizer, a luta começou lá com ocupação de terra, com acampamento. Depois do acampamento mais ocupações, brigas em órgãos públicos, fazer o assentamento, assentar-se, fazer um barraco no assentamento, fazer uma casa, conseguir plantar… Quando finalmente ele se apropria da terra para poder produzir, o momento de congraçamento com sua trajetória é o momento de se alimentar. Quer dizer, se alimentar encerra todo o ciclo de luta. Então a cozinha tinha que ser feita com toda essa dignidade. Nós fizemos um projeto que eu achava belíssimo, mas não conseguimos realizar, que era: uma parte toda da casa, que era feita com pedras e blocos, que era parte da cozinha, com forno a lenha ligado a uma pequena lareira e à sala. E depois as extensões, como vagões de trem, de madeira em pilotis, sobre o terreno da parte dos dormitórios.
Mas isso não dava. A gente tinha propostas muito mais ambiciosas, mas os recursos eram insuficientes. Agora a gente está conseguindo com o MST combinar recursos do Incra com recursos da Caixa Econômica, que nos permitem fazer projetos mais interessantes. Mas a gente tinha percebido que a chave para pensar numa casa para o MST é pensar o espaço da cozinha. Para além de ser a cozinha funcional, aquela cozinha que a gente aprende da Bauhaus, tinha que ser uma cozinha com uma dimensão outra que não a da cozinha do microondas, quer dizer, é outra coisa que está acontecendo ali. Na época, eu até fui ler Piaget para perceber como, para as crianças do MST, se a cozinha fosse um espaço que conseguisse simbolizar a experiência de luta dos pais, para elas seria muito importante. Porque experiência de luta não se simboliza, para uma criança, através das palavras de ordem do MST. Se simboliza a partir da experiência que ela vai ter dos cheiros, das texturas, do barulho da lenha estalando no forno. E perceber que isso tudo acontece numa circunstância em que o cozinhar não é uma dádiva. O cozinhar foi decorrente de uma grande luta. E se liga o cozinhar com o plantar, o plantar com a terra, a terra com o direito à terra e por aí vai, até se entender o que foi acontecendo. Olhe, quarenta e oito metros quadrados. Eu estava falando quarenta e quatro.
O slide anterior dizia: “A casa que queremos levará à cidade que queremos”. Em que sentido? Na forma de produção da casa?
Na verdade, isso foi uma maneira que as lideranças do MST encontraram de fazer uma ligação entre casa e cidade. “Bom, se os arquitetos da USINA estão chamando aqui os assentados para discutir como eles querem a casa – se a cozinha é assim, se o banheiro é daquele jeito, se o quarto é assim, se a janela é assado – então com a cidade a gente pode fazer a mesma coisa”. Até brincávamos com aquela frase, tão mencionada pelo Vilanova Artigas, mas que é de um teórico italiano: “A casa como uma cidade, a cidade como uma casa”. A casa tem um pequeno microcosmo e a cidade é composta por casas, em grande parte, e é possível fazer esse fluxo de entendimento da produção do espaço da casa para a cidade – evidentemente existem escalas, complexidades e dinâmicas diferentes, a passagem do privado para o público. Há ali complicações.
Mas foi uma maneira simples que o MST encontrou e que a gente acabou adotando. “Bom, fizemos a discussão da casa, agora vamos fazer a discussão da cidade”. E, na verdade, tudo começou com a discussão da cidade. Nós tivemos que ir para a casa e agora a gente estava querendo sair da casa para ir para a cidade. A cidade sempre estava ali pedindo para ser pensada. Mas, para um assentado que está morando num barraco, a cidade ideal é uma utopia abstrata. Ele quer a casa. Ele sabe que precisa ter um banheiro. Ele sabe que o filho dele precisa estar num quarto adequado. Ele sabe que precisa ter um lugar de cozinhar que seja mais saudável. A casa é a luta imediata. “A casa é um bem material, visível, que eu quero para já”. Mesmo que a gente tivesse falado de cidade a casa nos atropelou, tinha que resolver a casa. Nós pensávamos: “Do ponto de vista estratégico, vamos resolver a casa, vamos criar uma ideologia para pensar a casa. Resolvida a casa, eles vão estar prontos para discutir a cidade”.
Evidentemente isso cria dinâmicas às vezes conflituosas, porque você fez a casa, a casa aceitou o lote do jeito que o Incra quis pôr na cidade. Então a casa no lote já é a negação da cidade que a gente quer fazer. Não é que resolveu a casa, então agora vamos fazer a cidade. Você está fazendo a cidade, ou está querendo fazer a cidade de um jeito, mas a casa consolida uma situação com a qual a gente não tinha concordância – a maneira de parcelamento da terra convencional que o Incra fez. Nós estávamos numa situação complicada. Mas, enfim, todos nossos trabalhos vivem essas situações complicadas permanentemente. Essa história da prancheta com papel em branco em que você consegue criar o que você quer é só um exercício porque, depois, nossas pequenas utopias são sempre construídas ali nas contradições do dia-a-dia. Invariavelmente, às vezes, elas são negadas na maneira que elas são implementadas.
Como começamos a discutir a cidade de volta? A gente quis construir o que nós chamamos de uma sensibilização pelo termo “urbano”. Se as lideranças já estavam entendendo o porquê da cidade, a grande maioria dos assentados, não. Como você viu, um pouco menos da metade quis fazer a casa na cidade. Tínhamos que conquistar… Mesmo com aqueles que quiseram fazer a casa na cidade era uma dinâmica assim: “Minha mulher e meus filhos ficam na cidade – porque foram construídas duas escolinhas de madeira – e eu vou pro campo plantar e venho no fim de semana encontrá-los. E fico no campo, num barraquinho”. Então havia também uma opção para a educação dos filhos, uma condição mais amena. Eles percebiam que, tendo outras pessoas próximas, a mulher e os filhos estariam mais seguros do que sozinhos no meio do lote. Era aquela coisa meio gregária, instintiva, de estar junto para estar mais seguro. Mas não havia nada muito elaborado do que é a vida urbana que a gente estava querendo criar.
O que nós pensamos sobre sensibilização? Na época, a Companhia do Latão, com quem nós temos contato e da qual gostamos muito, estava apresentando a Comédia do trabalho. Está bem, pode ser muito interessante chamar a Companhia do Latão para apresentar a Comédia do trabalho, eles colocam questões muito interessantes para o MST pensar, questões da cidade, do trabalho na cidade, os banqueiros que aparecem na peça e tudo mais.
A Companhia do Latão tinha um grupo, na oficina Três Rios, que dava curso de teatro ali no bairro do Bom Retiro, um grupo de jovens que estavam com eles encenando algumas coisas. Eles se chamavam de Companhia da Latinha. E aí o nosso desafio foi: “Vocês não querem ir lá estimular o pessoal a pensar cidade?” Eles criaram pequenas cenas urbanas, ensaiaram e tal. A Martha Kiss, que é do Tablado de Arruar, era da Companhia da Latinha naquela época. Foi muito rico, porque a gente teve a grande apresentação da Companhia do Latão, uma noite de festa. Eu vou contar a anedota dessa noite. Mas, depois, no dia-a-dia das atividades, nas dinâmicas, para fazer o pessoal pensar, construir o que seria a outra cidade, foi o Latinha que foi ajudando a gente mesmo.
A sensibilização seria uma grande festa. Como é que se inaugura uma cidade, mesmo que ela não exista? São aquelas ruínas, algumas das casas já estão prontas, outras estão em construção. Vamos fazer uma grande festa. Essa festa vai ter um teatro, vai ter dança, vai ter churrasco, vai ter tudo. Aqui é a baixada do teatro antigo que existia. Nós fizemos essa base de madeira para posicionar as cadeiras das escolas que a gente conseguiu. O próprio assentamento já tinha algumas escolinhas, juntamos todas as cadeiras e pusemos aqui. O palco foi reconfigurado, com uma estrutura; passamos o dia montando o cenário para o Latão. E o Latão foi com um ônibus, com canhões de luz, com tudo, fizemos ligações elétricas para fazer uma apresentação em grande estilo. Não era aquele teatrinho improvisado. Essa é uma peça do Latão para palco italiano, não era teatro de rua.
Todos os assentados tinham sido convidados, uns cinco mil assentados. Nesse teatro acho que caberiam setecentos. Nós convidamos cinco mil, mas nem todos iriam. Alguns ainda nem estavam assentados na época, estavam em processo de assentamento. Acho que uns três mil já estavam assentados. Recebemos informações: “Tem assentados que estão vindo da região tal e não estão conseguindo chegar porque jogaram umas toras na estrada de acesso”. Uma estrada foi interditada com toras de madeira para que os assentados não chegassem para a atividade. Depois se descobriu que isso foi coisa dos coronéis locais, que estavam começando a mostrar suas garras. Você vai ver depois onde que foi dar essa história toda. Tentariam impedir esse processo de construção dessa cidade porque seria uma cidade que iria concorrer com o próprio município. Já havia mais gente assentada do que gente no município de Rio Bonito do Iguaçu. Eles, se fizessem filiação em massa de títulos, iriam eleger o prefeito. Foi o que fizeram mais recentemente, elegeram o prefeito.
Definiram, mudaram a dinâmica de política local, a dinâmica econômica local. Todas as lojas de eletrodomésticos ficaram vazias no momento em que saiu o dinheiro do Incra para que eles pudessem equipar cozinhas, comprar fogão, geladeira, quando finalmente foi feita a ligação de energia. Pensar em sete mil pessoas recebendo uma afluência de milhões de reais para plantar, para comprar, numa dinâmica de economiazinha local… Eles produziam um impacto gigantesco. O impacto econômico era muito bem visto, estão trazendo renda para o município. Agora, o impacto político era mal visto.
Enquanto eles eram só acampados, eram todos “baderneiros comunistas”. Quando viraram assentados, já eram clientes preferenciais das lojas. Só que clientes preferenciais isolados, tudo bem. Clientes preferenciais unidos pensando o que fazer politicamente não era tudo bem. Mesmo sendo clientes, eles estavam “politicamente ainda vivos, ainda têm alguma coisa no coração que podem tomar isso daqui e mudar a história dessa cidade”.
Sofremos todos os tipos de retaliações, ameaças de morte, lideranças levaram tiros, essa coisas. Faroeste mesmo. Fizemos a grande festa e, depois dessa noite, começaram as atividades de formação. Eles tinham uma rádio comunitária no assentamento, que ia dando todos os informes das atividades, as primeiras resoluções. Ficamos quase uma semana, no primeiro ciclo. Depois houve o segundo ciclo de debates para ver quais eram os temas que organizariam essa cidade.
Por mais preocupados que vocês estivessem com esse processo de sensibilização em estimular a cidade que eles queriam, vocês tinham uma cidade na cabeça?
Na verdade, não tínhamos, porque nosso trabalho na cidade, aqui em São Paulo, sempre foi em fragmentos de território. A gente sempre pensa nossa intervenção na cidade dentro de um contexto que já está dado. Nos conjuntos habitacionais, mutirões, os espaços que a gente produz com movimentos de moradia sempre se referenciam numa certa vizinhança, numa certa estrutura urbana que os cercam. Ou querendo se integrar ou querendo negar o entorno. E ali era quase que criar do nada. No meio de uma selva, de uma mata fechada, fazer uma cidade. Uma coisa quase de utopismo romântico, dos socialistas utópicos, Owen, Fourier, Garnier, fazer uma cidade do trabalho no meio do verde.
Para nós também não era claro. Porque repetir as utopias européias do século XIX não fazia sentido. Havia uma descoberta que era conjunta. Nós tínhamos uma vivência urbana muito diferenciada da deles. Mas nós não estávamos lá com nenhuma resposta pronta, escondida deles. Nós não sabíamos aonde íamos chegar. Para a gente isso era muito estimulante, porque nós não estávamos naquela de “vamos esperar o tempo da participação porque já vai chegar aonde a gente quer”. Não havia isso.
Dessa dinâmica há histórias incríveis. Na verdade, não me lembro de todos os detalhes, faz dez anos… Essa foto aqui, era daquele senhor que tinha construído a barragem e que fez a casa no bairro dos engenheiros. Ele tinha várias propostas de como organizar a cidade. Há um momento que ele foi desenhar o plano que ele queria fazer, de como deveria ser o zoneamento da cidade. Mais do que saber que cidade eles queriam, estava um turbilhão na cabeça deles, pensando “que sociedade, quem sou eu, qual o papel que eu tenho na transformação, por que nós estamos fazendo isso?” Era um exercício fantástico de entendimento das reais possibilidades deles como sujeitos históricos. Eles tinham que se situar, eles tinham que colocar horizontes de transformação ou de assimilação dos modelos já vigentes.
Você se lembra de algumas coisas que eles sugeriam?
Havia questões… Eu precisaria retomar o material. Não tive tempo de voltar a ler tudo antes da entrevista. Mas a gente criou alguns subgrupos. Havia o grupo de vida coletiva, que pensava o espaço, a cidade como um espaço do viver. Todos os espaços comuns, de encontro, de vivência que iam da igreja à praça pública, ao campo de futebol, ao cemitério. Tudo fazia parte da vida coletiva. Eram quase que experiências que estavam se dissolvendo no assentamento, porque se fragilizavam à medida que as famílias se distanciavam. E nas agrovilas deles, isso ficava meio estranho. As casas não estavam conformando uma agrovila. Na agrovila havia um pequeno barracãozinho, que era o centro comunitário, uma igrejinha, um mercadinho, eventualmente uma escola, um local mal cercado para o cemitério. O cemitério foi um dos grandes temas de discussão. A idéia da completude da vida, de ser enterrado com dignidade. Quer dizer, onde, na proximidade de quem, em que circunstâncias. Foi um tema relevante. Essa coisa territorialmente estranha que era a agrovila. Uma agrovila sem casas. Uma agrovila que era o armazém, a igreja, o cemitério, o campo de futebol, dispersos no meio do mato.
E aí a cidade voltava a restituir um sentido para esses equipamentos. A vida coletiva ia ganhando uma densidade, uma tessitura muito mais interessante do que na maneira que eles estavam vivenciando nas agrovilas e de novo referenciando o que era a experiência do acampamento.
Não vou conseguir me lembrar exatamente das discussões, mas foi dos grupos o de que eu mais participei, esse da vida coletiva. Eram coisas incríveis. Aí entravam debates a respeito das experiências deles nas cidades. Dessas experiências, o que eles achavam que era interessante de se manter, porque houve uma percepção de que não dava para negar a cidade em bloco. “Temos que entender o que da vida urbana legitimamente estimula formas superiores de organização da sociedade humana e o que é dominação. Temos que separar o que na cidade existe de invenção, do que na cidade existe de dominação”. Essa era a tarefa que estava posta para eles.
Um outro grupo era o da produção. A cidade é um espaço também de produção, não só um espaço de vida coletiva, além da produção agrícola. Então era pensar tudo que poderia ser complementar à produção agrícola deles, como beneficiamentos, fábricas de doces e alimentos de todos os tipos. Até que eles dessem o passo para sair da utopia alimentar. O MST não tem que fazer só pão e goiabada. Não é só o trigo, só o doce, só o leite, só o vinho. Não, temos que conseguir pensar na cidade como espaço de produção de outras coisas. Daí se passava para o artesanato, do artesanato se chegava à cultura, que era o que a gente queria. “O que a gente queria”: estou dizendo que a gente estava torcendo para que eles percebessem que a cidade é o espaço de produzir cultura também, não só de produzir goiabada em lata.
Começava-se a abrir temas ligados a “vamos produzir instrumentos musicais”. Eles ao mesmo tempo estavam no artesanato, mas punham na discussão a música, a cultura. Ao discutir música, já discutiam o que é indústria cultural, entretenimento, a mercantilização disso, direitos autorais. O que o MST entende por trabalhar com o campo da música, da informação, da comunicação; entrava a discussão da rádio comunitária como espaço de produção, de renda, de comunicação. E outros temas que estamos discutindo com o MST até hoje. Agora a obra que estamos começando, a Comuna Urbana Dom Helder Câmara, em Jandira, já inclui a incubação de um núcleo de audiovisual que vai documentar tudo que vai se formar durante a obra. Serão feitos vídeos experimentais durante a obra, que servirão para as dinâmicas de autogestão.
Esse foi um tema muito interessante, eles perceberem que a concepção de produção tem que sair daquela produção camponesa para entrar em outras esferas que são talvez tão ou mais importantes – a gente costuma dizer que a questão alimentar, da fome, é decisiva para o Brasil e também para o MST. A gente estava conversando aqui sobre a cozinha. Mas eles perceberam que a batalha se dá em outros campos. O campo, hoje, da cultura e da política são decisivos também. E cultura se produz, cultura também é mercadoria. A gente quer que ela se desmercantilize, mas ela também tem uma dimensão de mercadoria.
O outro grupo era de gestão e organização política. Como é que nós organizamos a cidade? Tem prefeito, não tem prefeito? Vai ser um conselho? Como eleger as pessoas nesse conselho? Quais são as atribuições desse conselho? Haverá assembléias permanentes para discutir o quê? Esse era o grupo que concentrava as lideranças principais, interessadas em saber o que era essa forma política nova. Ninguém estava imaginando: “Este é prefeito do MST”. Coisa ridícula…. “Mas como vai funcionar? Se não há prefeito, quais são as outras formas? O que a gente sabe, que está dado aí é: cidadezinhas do interior têm seu prefeito, o coronel… E na cidade do MST não vai haver isso. Então, qual é a estrutura política que a gente está pondo nessa cidade? O que ela vai ter de democracia representativa, democracia direta? Quais são os espaços de reunião, sobre o que se delibera? Custos de serviços urbanos, como se repartem?” São temas que se desdobravam em longuíssimas discussões.
A gente teve a informação, durante o seminário, de mais um assentado que foi assassinado pela polícia do Jaime Lerner, que estava praticando ações violentíssimas contra o MST. Blitzes combativas de reintegrações de posse nas madrugadas, com violentamento das pessoas, mulheres, homens, crianças. E aí, nesse momento, a Companhia da Latinha resolveu fazer uma encenação em memória dos mortos no massacre de Eldorado dos Carajás, que completava aniversário naqueles dias. Foi aquela choradeira, aquele congraçamento. Perceber que havia uma luta única. Não é porque era um grupo de teatro de São Paulo… Se sentir, se re-humanizar, dar as mãos e falar: “Nossa caminhada está no fio da navalha. Às vezes ela é de vida ou morte”. E é nisso que, às vezes, questões postas nas dinâmicas como meros exercícios de educação popular passavam a ter uma dimensão muito mais ampla do que isso. O que estava posto ali não era um mero brincar com o MST, um exercício. Não, de fato, nós estávamos trabalhando com as utopias mais avançadas de que o MST poderia ser portador naquele momento. E, ao mesmo tempo, víamos as notícias cruas das violências que eles estavam sofrendo. E que precisavam ter reações imediatas.
Agora mesmo a gente está produzindo um projeto de uma padaria comunitária para o MST, numa das obras novas. E há uma moça do movimento que está fazendo as compras dos equipamentos para a padaria: forno, fogão, pias. Conseguiram um financiamento do Ministério do Desenvolvimento Solidário para isso. E aí eu liguei para uma colega, uma liderança do MST, porque eu não tinha o telefone dela. E ela falou: “Estamos aqui, agora, fazendo uma ocupação no prédio da Votorantim em São Paulo. Vou ver se eu acho ela aqui, a Natasha”. Depois ela me liga: “Olha, a Natasha está na delegacia, foi presa”. Nós estávamos aqui projetando e dependíamos de uma informação de uma moça que estava numa situação de conflito tal que está na cadeia agora. Vamos comprar como o forno, o fogão da padaria?
Nessa luta, evidentemente, há graus de compromissos diferentes. Não se pode dizer: “O nosso compromisso como assessor técnico é muito mais light. A gente vai lá, nos entusiasmamos, depois damos depoimentos para vídeo e tal e o pessoal está na paulada, apanhando, sofrendo”. Há formas diferentes de vínculos que as pessoas têm com a luta popular. Só que, acredito, se não houvesse formas diversificadas de se atuar junto ao movimento, seria muito mais difícil chegar a alguns resultados interessantes que o movimento tem alcançado nas suas lutas e nas suas experiências práticas. Porque só com ocupação de terra, atividades de formação, programas – que são fundamentais que aconteçam – não há uma materialidade física desse poder popular. O poder popular precisa fazer coisas, precisa mostrar do que é capaz. Há uma dimensão técnica, organizativa, produtiva, formal, estética, enfim, que envolve o movimento. E há pessoas que apóiam, há os agrônomos que ajudam a fazer assentamento, há arquitetos que também estão apoiando essa experiência. E se esses arquitetos também não têm outro tipo de formação, de conhecimento, de experiência comum com os movimentos populares, ou de experiências outras no entendimento da cidade, da arquitetura, esse diálogo fica muito restrito, muito limitado e até impossível de acontecer, porque deixa de ser um diálogo. Quer dizer, não há alteridade, não se cria uma dinâmica de intelectuais e técnicos que estão organicamente apoiando o movimento. O movimento fica vivendo por si. Se não há alguns agentes externos que vão cutucando, qualificando, aprendendo nesses processos, esses processos tendem a se reduzir a experiências muito pontuais, muito limitadas.
É uma pergunta que a gente se faz o tempo todo: qual o nosso papel? Nós somos movimento? Nós não somos movimento. Trabalhamos com o movimento como? É uma assessoria profissional ou militante? Nós somos técnicos ou nossa técnica é política? É um dilema. E é nesses momentos-limites, da moça que está na cadeia agora e que ia passar uma informação pra gente, ou do outro que foi assassinado, que a gente pensa: “De fato nossa situação é um pouco mais cômoda do que a deles”. Mas também, se nós, técnicos de todas as áreas, não os estivéssemos apoiando, diversas das experiências fundamentais para que eles cresçam como organização capaz de pensar um outro Brasil não estariam acontecendo. Porque é preciso mostrar que se pode fazer experiências que são muito melhores do que as do governo e do capital. Sem isso, não teriam muito a dizer sobre o que pode ser o futuro do país.
Isso talvez seja uma outra conversa, a nossa posição nesse tipo de trabalho. Além da liberdade de a gente poder estar trabalhando com vários movimentos, por um outro canal, nós fazemos um intercâmbio de experiências do movimento de moradia com as lideranças de favela, com o Movimento dos Sem-Terra da Grande são Paulo, com o Movimento dos Sem-Terra do Paraná ou do Rio Grande do Norte. Nós também ajudamos, quase como abelhas polinizadoras, a ir levando alguns conhecimentos de um movimento para o outro, trazendo para lá e para cá, o que facilita esse fortalecimento recíproco dessas lutas.
Você faz algum outro tipo de projeto, Pedro? Ou você só trabalha com a USINA?
Eu trabalho como professor na faculdade e na USINA. Não faço projetos privados. Mas eu ia terminar a história aqui, se não fica sem fim. A gente vai conversando…
Eles construíram uma jardineira para comemorar. Era um mutirão de encerramento do seminário e também queriam mostrar que era possível construir a cidade. Eles fizeram paisagismo, por volta da data em que eles conseguiram o assentamento em 1996. E depois nós partimos para uma outra etapa, na qual eu não vou agora entrar com você, que é de planejar as tais agrovilas de que estou falando. De perceber que essa parte do planejamento das comunidades também é decisiva, porque a cidade negando as comunidades passou a ser um entrave para a própria dinâmica de se pensar a cidade.
Como eu estava falando, a linha de raciocínio deles é por associação de necessidades mais prementes. Coisas próximas. A coisa mais próxima era a casa. Depois da casa, a comunidade. Depois é a cidade. Só que nós não tínhamos tempo para ficar esperando que algum um dia eles chegassem à cidade. Nós tínhamos que puxá-los para a cidade a toda hora. Mas, quando nós púnhamos a discussão sobre a cidade, eles arejavam, discutiam, pensavam refletiam, mas recaíam: “Mas e a minha comunidade? Não adianta trazer tudo aqui pro centrão, pra vila barrageira e a minha comunidade continuar carente. Continuar sem apoio nenhum, sem infra-estrutura nenhuma”. Passamos a ter que fazer toda uma seqüência de discussão com as oito comunidades que eles tinham no assentamento para tentar fortalecê-los. Enquanto isso, o que foi acontecendo… Aí é o que interessa a você na história, o que deu errado, não é isso?
Não, na verdade não.
Estou brincando… Deu errado porque começou a haver uma luta total dos assentados mais combativos, das lideranças, com o poder local de Rio Bonito do Iguaçu, que é esse município que estava sendo abraçado pelo grande assentamento. O prefeito local era um coronel. São dois prefeitos que se alternavam, um que até mesmo manda no outro. Mas o manda-chuva geral se chamava Bovino. Um bom nome para um latifundiário local. O símbolo dele era mesmo aquela cabeça de boi do Chicago Bulls. Ele era dono do supermercado, das lojas, do campo de bocha. Ele imprimia a cabeça do Chicago Bulls em todos os lugares dele. Como imprimia sua marca no boi, ele também a imprimia na cidade.
O Bovino era o grande inimigo, com seus capangas e aliados, que queria boicotar a experiência do MST. E rapidamente o MST acabou divulgando que o interesse estratégico era a separação do município. O assentamento e a agrovila iam se separar, a vila barrageira ia virar a capital do município e, de quebra, nós íamos levar junto a barragem, com todos os royalties que ela emitia, 80% da receita municipal de Rio Bonito de Iguaçu. Aí já era governo Lula, 2002, 2003. Já estava na eleição do Lula, já estava no clima “agora o município é nosso”. Era ainda Jaime Lerner no governo do Estado e o Bovino na prefeitura.
Eles começaram uma campanha de desestabilização do assentamento de todas as formas, desde infiltrar traficantes – ali era uma região de tráfico de armas e drogas, de entrada do Paraguai para o Brasil. Chamaram uma das lideranças para virar vice-prefeito do Bovino. Tentaram várias formas de cooptação. Os assentados também bobearam. Acho que a eleição do Bovino foi em 2000 – mesmo ano em que a Marta Suplicy foi eleita em São Paulo, acho que 2000 – e os assentados resolveram que eles queriam virar vereadores para poder mandar. Já que não tinham muita chance de derrotar o Bovino, eles queriam pelo menos ter alguns vereadores. Vinte e um assentados resolveram ser candidatos a vereador. O que aconteceu? Eles dividiram os votos entre os vinte e um e não conseguiram eleger ninguém. Então, o poder municipal em bloco era anti-MST, antiassentamento e anticidade da vila barrageira.
Já contei a história das toras. Além disso, começou a haver todos os tipos de ameaça, pistoleiros que iam à cidade, ameaçavam lideranças. As casas começaram a ser depredadas, roubadas. As famílias apavoradas voltavam para os lotes. A casa era imediatamente depredada e demolida por pessoas contratadas pelo poder local para fazer isso. Até o momento em que o prefeito simplesmente, pela história que nos contaram, estacionou um caminhão dentro da cidade – ele desmontou as escolas que estavam ali dentro também, então as casas foram ficando abandonadas –, pôs o gerador de energia em cima do caminhão e dizem que levou para sua própria fazenda.
A cidade foi sendo desmobilizada, os moradores que restavam iam ficando apavorados, iam saindo, até o ponto em que ficaram sem energia. Sem energia o sistema de água, que era fantástico, mas movido por bomba, não funcionava mais. Então, sem água, sem energia, apavorados, com pistoleiros e gente invadindo as casas, saíram todos e voltaram para o assentamento.
Mais uma vez a história que os assentados acabam assimilando é de que a cidade não deu certo. Como a cooperativa de construção não deu certo, a cidade também não deu certo. Então houve um rechaço à idéia de cidade por esse motivo. Muitos deles não sabem nem o que aconteceu de fato. E é uma resposta boa para um camponês que não quis apostar na cidade: “Não deu certo, viu? Eu que acertei. Fiz a minha casa aqui, você fez a sua casa lá e agora está morando num barraquinho e perdeu tudo o que tinha lá. Eu é que estava certo, eu é que sou esperto”. Isso destrói também o próprio movimento, porque as lideranças apostaram na experiência da cidade.
O Bovino acabou com a cidade mesmo, hoje a cidade está no meio do mato de novo. E, agora recentemente, na última eleição para prefeito foi eleito um rapaz, acho que do PT, ou do PDT com aliança com o PT, que era próximo ao assentamento. Mas que também não teve ímpetos de voltar a discutir o tema da cidade.
Eu voltei para lá… Nós paramos nosso trabalho lá em 2002, depois fizemos algumas reuniões e relatórios, mas se encerrou mais ou menos por essa época. Voltei lá porque eles fizeram um novo assentamento, também muito grande, ali perto, com o restante que tinha sobrado desse latifúndio. Pediram-me para fazer uma dinâmica sobre habitação com os assentados. Também fui à escola de agroecologia, porque eles queriam fazer uma ampliação. Então do contato que eu ainda tinha com as lideranças soube que a impressão que ficou é que a experiência da cooperativa foi frustrada, que a experiência da cidade foi frustrada. Os assentados não querem ouvir falar nem na palavra cooperativa nem na palavra cidade. Óbvio que as lideranças sabem o que se passou, mas dão a batalha como perdida.
Acho que o pior de tudo nessa experiência não é que houve conflito, o confronto aberto. Mas é a introjeção nos próprios dominados dessa dominação e a assimilação de que experiências mais utópicas que indicavam horizontes novos para o movimento são na verdade fracassadas. Quer dizer, “o movimento tem que fazer o feijão com arroz. Tem que deixar o camponês no lote. Tem que fazer o camponês entender de agricultura. Ter mais produtividade, plantar o grão certo e aproveitar o preço alto das commodities”. Há um momento… Dentro do MST há uma disputa de ideologias. Mesmo que ela não se dê de maneira escancarada, ela existe. Essa ideologia do status quo do fazendeiro, do pequeno fazendeiro, que está ali embaixo segurando grande parte dos assentamentos, enquanto as lideranças estão falando em socialismo. E essa foi a ideologia que venceu lá. E ela não venceu por méritos próprios, venceu por um ataque violento à outra experiência que estava acontecendo.
Mas o que é mais surpreendente é que ela conseguiu construir um imaginário, quase que uma ferida que a gente conseguiu fazer na carne capitalista, mas que se fecha, e se constrói um imaginário novo de que tudo foi invenção. Na verdade, era perversão. Tudo que foi utopia na verdade era um desvio. “E o que a gente deveria ter feito era o que sempre imaginávamos que deveríamos ter feito, que é virarmos pequenos fazendeirinhos”. Não acho que seja injusto falar isso com relação à grande maioria dos assentados. Eles têm esse raciocínio. As lideranças que vivenciaram esse processo, os assentados que foram mais ativos nesse processo sabem que a história não é bem assim. Quando a gente vai conversar com eles, falamos: “Não foi bem assim. A cooperativa de construção civil teve muito méritos. A experiência da cidade… Nós fomos derrotados nessa experiência. Uma experiência que foi derrotada, não uma experiência que simplesmente fracassou”. Houve uma luta evidente entre as forças do atraso locais que dominam a política e a economia daquele lugar e o que o MST queria como utopia para o seu maior assentamento. E o que me assusta é o fato de essa utopia sequer ser lembrada ou de ela sequer ser guardada para, em um segundo momento, ser reconstruída. É o fato de aceitar que ela foi morta e enterrada.
As últimas conversas que me chegaram de “vamos retomar a vila barrageira”, acho que foram no ano passado ou retrasado, quando estive na Escola Nacional do MST e encontrei algumas das lideranças do Paraná. Falaram que o MST decidiu fazer uma universidade na vila barrageira. Conseguiram uns apoios de financiamento, pessoas que são especialistas em lobismo no MEC, coisas desse tipo, para fazer essa universidade. E iam pedir para o Niemeyer fazer o projeto. Tudo bem. Assim, pelo menos a vila barrageira, do ponto de vista simbólico, como algo que precisa ser feito, está lá. Mas está lá reduzido a fazer uma escola do Niemeyer.
Tudo que podia ter acontecido como utopia experimental, coletiva, o mais criativa possível, foi reposto em clichês. O clichê de que o MST precisa ter sua universidade e o clichê de que tem que ser o Niemeyer para fazer, porque é o arquiteto comunista do Brasil. Evidentemente, não é questão de egos de arquitetos que foram preteridos em relação ao Niemeyer. Quer dizer, todos os arquitetos do Brasil já foram preteridos em relação ao Niemeyer. A questão é que, dado esse falecimento da nossa utopia experimental, o que o MST conseguiu reconstruir no lugar, para além dessa ideologia do fazendeiro que eu estava comentando, que é o que grassa na base, é uma solução milagrosa. A solução milagrosa é conseguir um bom financiamento junto ao MEC, junto a parceiros, para fazer uma universidade com um desenho que o Niemeyer vai fazer em algumas folhas de papel e depois vai enviar para alguma empreiteira detalhar e o MEC vai licitar uma obra pública.
Tudo que havia ali de possibilidade de emancipação, de reflexão sobre a experiência urbana, sobre a reconstrução da política, da cultura, e a necessidade de se ter essa centralidade física para se construir essa centralidade política e cultural, foi por água abaixo. Foi por água abaixo numa experiência que não merecia ter morrido dessa maneira. Não sei se sou eu ou as pessoas que trabalharam nesse projeto pela USINA que acabamos tendo uma leitura mirabolante do que se passou. Foi talvez um sonho que aconteceu com a gente e, na verdade, a verdade era toda outra. Talvez você devesse conversar com pessoas que viveram essa experiência de outra forma, como lideranças locais, os assentados, políticos que viam a gente como grande ameaça. É uma narrativa e essa narrativa tem um olhar. Não vou dizer que sou um narrador machadiano, mas você pode desconfiar talvez das coisas que eu esteja dizendo. Porque eu mesmo desconfio, pois eu não entendo por que essa experiência se encerrou dessa maneira.
Isso aqui foi uma apresentação que eu levei para um seminário que aconteceu no Rio Grande do Norte, de todos os arquitetos que trabalham com o MST, e todos ficaram fascinados com a experiência e ninguém entendia como ela pudesse ter se encerrado daquela maneira. Talvez o jeito de entender isso envolva uma pergunta bastante profunda sobre o que de fato tem… Eu não estou preocupado com os coronéis, como eles agem, isso todo mundo… Você pode ler o livro do Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto, que descreve como é isso. E não é só no Nordeste. O Sul está cheio de espaços que se organizam com essas estruturas de poder.
Mas o que me surpreende é o lugar, a penumbra, o desaparecimento que essa experiência teve dentro do MST. Do MST regional – não vou falar do MST nacional –, porque acho que essa experiência não chegou a ser muito bem conhecida nacionalmente, pois ela estava em andamento. Mas esse recalque da experiência…. No momento em que talvez o MST tenha se aproximado de utopias das mais incríveis e capazes de levá-los a refletir sobre os próprios limites de uma ação de um movimento de trabalhadores sem terra. Esse urbano extenso que tem que virar cidade, que é por onde a gente começou a conversa… Não quero com isso dizer que eu participei dessa experiência e que por isso ela é fantástica. Mas acho que ela teve em algum momento uma coisa que eu… Eu trabalho apoiando o MST desde aquela época, há dez anos. Já vi muitas outras atividades e ações do MST, mas houve algum momento em que ali se tocou em questões que dizem respeito ao Brasil possível que o movimento pode construir, com um grau de beleza e profundidade e de casos fantásticos como os que eu descrevi e que eu não vi em nenhum outro lugar. E por essa experiência ter sido tão capaz de estimular sonhos e disposições para que ela se realizasse, me surpreende o reverso que ela teve, seu apagamento completo. Esse apagamento deve ter causas que são psíquicas, uma espécie de psiquismo do sujeito coletivo do movimento, ele tem que apagar também algumas de suas derrotas, precisa eleger prioridades mais factíveis. É uma experiência um pouco deslocada, é uma experiência que ficou fora do lugar, ficou inclassificável dentro das experiências de luta do MST. Por isso ela não guarda nenhuma brecha para que possa ser preservada dentro do movimento ao menos como memória. Acho que nós da USINA vamos ser a única memória dessa experiência.
Referências
ARANTES, Pedro, BARROS, Joana e RIZEK, Cibele. Cidade e território: o relato de uma experiência em um assentamento do MST. Texto apresentado em um encontro da ANPUR – Associação Nacional de Pós-graduação em Urbanismo, 2001.
FILGUEIRAS, Otto. “MST – O sonho de Ireno Alves”, em Reportagem nº 13, outubro de 2000.
Relatórios dos seminários das comunidades do Assentamento Ireno Alves dos Santos – MST.
Texto originalmente publicado na revista Urbânia 4 [KUNSCH, Graziela e MIYADA, Paulo (eds.). Urbânia. Vol. 4. http://urbania4.org] e no quarto capítulo da minha dissertação de mestrado, intitulado Prática [KUNSCH, Graziela. Projeto Mutirão. Dissertação de mestrado. ECA-USP, 2008].
Este texto de Graziela Kunsch foi licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição – Uso Não Comercial – Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.