Eu pensava que era um problema da sala 2 do cinema da Augusta. Foi o segundo filme que vi lá que o povo ria sem parar sem razões aparentes. Mas agora estava lendo umas críticas – não posso ler uma linha antes de ver um filme, mas gosto de ler todas depois de ver -, e percebi que podem ser comuns as risadas durante “Que horas ela volta?”, de Anna Muylaert. (Ao menos aqui em São Paulo, porque na Europa parece que nossos colonizadores ficam horrorizados).
O começo do filme foi um pouco uma tortura para mim. Ver uma atriz tão conhecida nossa fazendo um sotaque que não é o dela e as pessoas rindo a cada gesto da empregada Val como se ela fosse uma estúpida, a própria Regina Casé buscando ser engraçada, me fez pensar em ir embora. Eu e o Dani acabamos rindo um pouco junto ao público, pensando na roubada em que nos metemos, e acho que essa cumplicidade nos segurou mais um tempo no cinema.
Então a Jéssica entrou em cena.
Foi um pouco como a xícara preta sobre o pires branco e a xícara branca sobre o pires preto do jogo de café que Val presenteou para Bárbara, sua patroa. O pessoal ainda ria e mesmo eu ri um pouquinho, mas principalmente chorei. Me compadeci até do ridículo – e da melancolia profunda – do personagem do Lourenço Mutarelli, que faz duas cenas incríveis com Camila Márdila, atriz que interpreta maravilhosamente a Jéssica (se falta um pouco mais de complexidade nessa personagem é por uma escolha declarada de roteiro e direção, não por atuação). A Val de Regina Casé, ainda que nasça de uma interpretação estereotipada, tem muita verdade e é impossível não lhe querer bem.
Talvez o filme seja Globo Filmes demais em alguns momentos, talvez esse seja seu mérito. Uma pessoa comentou comigo que quer que seus pais vejam; já eu torço para que a Nilda veja.
Lá na cena final, um detalhe: a xícara branca está sobre o pires branco e a xícara preta sobre o pires preto, lado a lado, sugerindo uma nova ordenação social. Não sabemos o que irá acontecer a partir dali e, para além do filme, o momento presente de retrocessos não é animador. Mas não dá para negar – após dez anos de início do governo Lula – que uma mudança aconteceu.
Colaborou Daniel Guimarães (em conversas durante/após o filme)