Imagem: ilustração do canto do “Papa-mel”, que traz desenhos e nomes
de 33 espécies de abelhas nativas, por Donizete Maxakali (2009). A
maioria dessas abelhas foi extinta, sendo apenas preservadas na
memória e no canto/na língua maxakali/tikmũ’ũn. Imagem publicada
originalmente no livro “Cantos Tikmũ’ũn para abrir o mundo”,
organizado por Rosângela Pereira de Tugny (Editora UFMG) e na revista
Urbânia 5.


mulheres dos coletivos Equipe de Base Warmis, Rede de Mulheres Imigrantes Lésbicas e Bissexuais (MILBI) e Coletivo Feminista de Argentinxs em São Paulo com o livro-cartaz realizado em oficina com o coletivo Dulcineia Catadora na marcha de 8 de março de 2019

Encontro de línguas latinas para além do português e do espanhol

Na exposição Cartoneras: releituras latino-americanas, que reuniu 300 livros de diferentes editoras “cartoneras” (ou “catadoras”) da América Latina, chamava atenção um único livro escrito em línguas guarani, da editora paraguaia Yiyi Jambo, em meio a uma maioria de livros em castelhano e português. A partir desse livro e como uma das formas de resistência à intensificação dos ataques a terras, povos e culturas indígenas no contexto brasileiro atual, foram realizados encontros com pessoas residentes em São Paulo falantes de línguas indígenas da América do Sul como Aymara, Guarani, Jopara e Quechua, e também com os Pankararu, cujas dificuldades de sobrevivência desde a colonização comprometeram também a sobrevivência de sua língua ancestral.

Ao longo dos encontros cada participante compartilhou a história de sua língua e disse oralmente um texto, ou canto, ou palavra. Na sequência, essas contribuições foram reunidas em uma publicação cartonera – um livro feito e costurado de maneira manual/artesanal, usando papelão reciclado pintado como capa -, que não terá traduções para as línguas locais colonizadoras.

Esta atividade encerrou o conjunto de ações educativas da mostra, que teve os imigrantes colombianos Maria Paula Botero (psicóloga) e David Rubio (narrador de história oral) como responsáveis pela mediação e também contou com uma editora temporária, onde coletivos e indivíduos produziram livros da forma cartonera (esta editora se tornou a SINFRONTERA Cartonera, tocada por Maria Paula e David para além da duração da exposição); oficina do coletivo Dulcineia Catadora com mulheres organizadas na Equipe de Base Warmis, na Rede de Mulheres Imigrantes Lésbicas e Bissexuais (MILBI) e no Coletivo Feminista de Argentinxs em São Paulo, que resultou em uma publicação distribuída na marcha de mulheres de 8 de março; e atividades com crianças em escolas (ou “visitas ao contrário”).

A frase-título deste evento de encerramento – ‘Iy mũn ku mãk pax – foi extraída de um canto xamânico maxakali/tikmũ’ũn e significa “minha voz bonita”.


Data: 6 e 9 de fevereiro de 2019
Local: exposição Cartoneras: releituras latinoamericanas, acolhida no térreo da Casa do Povo

Participantes:
Beatriz Morales Barroso (Quechua)
Clarice Josivania da Silva (Pankararu)
Eunice Augusto Martim Sheley (Guarani)
Eunice Jera Poty (Guarani)
Joab Kara’i (Guarani)
Juan Cusicanki (Aymara)
Poty Poran Turiba Carlos (Guarani)
Maria Lídia da Silva (Pankararu)

Curadoria educativa: Graziela Kunsch
Educadoras: Maria Paula Botero e Juan David Segura Rubio
Curadoria da exposição: Alex Flynn e Beatriz Lemos
Produção: J. Pombo

 



foto: Isadora Brant


Programa educativo da exposição Travessias Ocultas – Lastro Bolívia

O eixo do programa público educativo da exposição Travessias Ocultas – Lastro Bolívia foi desaprendermos sobre a Bolívia, a partir de uma escuta do que está oculto e não reconhecido. No mês de fevereiro foram realizadas sessões de trabalho entre mulheres bolivianas residentes em São Paulo, de diferentes gerações (crianças, jovens, adultas e idosas), classes sociais e atuações. Esse grupo concebeu ações educativas públicas relevantes ao contexto da exposição, descritas mais abaixo. Essas ações não chegaram a acontecer, por uma escolha institucional, mas as rodas de escuta entre mulheres e de concepção coletiva dessa curadoria foram lindas e intensas.
Integrantes do grupo: Ana Flávia Baldiviezo Cáceres, Adriany Cortez Chávez, Antonia Choque de Canaviri, Gabriela Condori Quispe, Hilda Velez, Jenny Ximena Chávez Chipana, Jobana Moya, Ladaynne Choque, Lineth Hiordana Ugarte Bustamante, Luana Guadalupe, Maria Aguilera Franklin de Matos, Marianela Baldiviezo Perez, Masiely Amaro Chávez, Maya Thianne Galván Ugarte, Rocio Quispe Yujra, Ruth Erica Choque Cruz e Yanet Aguilera, com a participação de Beatriz Lemos (curadora da exposição), Gabriela Leirias (supervisora do grupo de educadoras) e mediação de Graziela Kunsch (curadora educativa, responsável por esta proposição).


Roda de escuta para mulheres imigrantes
Mulheres imigrantes que estiverem passando por um momento difícil de vida ou mesmo sem saber ao certo o que estão sentindo, serão acolhidas por outras mulheres nesta roda de escuta, que terá a mediação de Lineth Hiordana Ugarte Bustamante, psicóloga com pesquisa sobre o sofrimento psíquico de imigrantes na cidade de São Paulo e Camila Bassi, psicóloga e psicanalista integrante da Clínica Pública de Psicanálise. Haverá um espaço para cuidado de crianças. Serão dois encontros entre o mesmo grupo.

Reunião de mães imigrantes por uma nova escola
Por toda a complexidade do processo de migração, muitas mães imigrantes desconhecem o cotidiano da nova escola de suas filhas e de seus filhos, a importância de sua participação nas atividades escolares e a possibilidade de serem promotoras de mudanças na escola. A partir de vídeo-cartas feitas por crianças e adolescentes imigrantes sobre suas experiências nas escolas públicas de São Paulo, neste encontro as mães serão estimuladas a conhecer mais sobre a estrutura das escolas (gestão – quem responde por o que dentro da escola, conteúdo programático, sistema de avaliação etc.) e a contribuírem desde a sua própria origem, imaginando formas de trabalhar diferenças culturais como potência.
A conversa será mediada por Rocio Quispe Yujra, mãe, imigrante, voluntária do coletivo Si, yo puedo e servidora pública do Instituto Federal de São Paulo e Adriana de Carvalho Alves, professora e pesquisadora das histórias latino-americanas, com ênfase na educação para imigrantes. Pais ou outros responsáveis também serão bem-vindos no encontro. Estamos usando “reunião de mães” em contraposição ao termo “reunião de pais”, que privilegia o plural masculino.

Encontro para Marianela falar quéchua
Chamada aberta para pessoas que falem quéchua se encontrarem para conversar com Marianela, que vive em São Paulo há mais de trinta anos e tem medo de esquecer sua língua materna por não ter com quem conversar.

A trajetória artística e autobiográfica da escultora boliviana Marina Nuñez del Prado
Entre 1930 e 1990, Marina Nuñez del Prado esteve profundamente envolvida com o cenário do indigenismo andino, trabalhando extensivamente com certos imaginários e simbologias da população indígena boliviana. Em sua autobiografia, o contato com este universo fica evidente, com destaque para diversas passagens marcantes em que Marina se deparou com aspectos culturais distantes de sua descendência espanhola, como a cura de doenças através de elementos da natureza. Além disso, ela também evidencia em seu relato o quanto a própria paisagem andina e seus elementos teriam servido como fonte inesgotável de inspiração, sendo que muitas de suas esculturas foram elaboradas com matérias provenientes do próprio solo boliviano. Segundo a artista, foi numa visita ao Lago Titicaca, ainda em sua infância, que ela teria compreendido sua vocação para as artes plásticas. Ao longo da fala serão apresentados os modos pelos quais a artista representou a mulher em sua obra – grande eixo temático que percorre toda sua produção -, e de que maneira ela refletiu sobre a condição da mulher naquele determinado contexto histórico, sempre dialogando com imaginários mais tradicionais ou mais progressistas acerca da determinação de certos papéis sociais.
Aula aberta com Giovanna Pezzuol Mazza, arte-educadora e mestranda em História na USP

Nós, quem? O cinema de Jorge Sanjinés e o Grupo Ukamau
Para Silvia Rivera Cusicanqui, Jorge Sanjinés e o Grupo Ukamau tratam a presença indígena desde a originalidade da filosofia ameríndia e não como estereótipo do originário. Nos filmes do Ukamau, os indígenas não são miseráveis ou ornamentais e isso coloca em questão a doxa mestiço/branca, que havia mantido a visão preconceituosa colonial e colocava indígenas como um passivo eleitoral ou uma hecatombe (muito violentos), ou seja, como sociedades pré-políticas ou espasmódicas. La Nación Clandestina é uma reflexão sobre como as populações indígenas ajudaram a criar, numa trajetória compartilhada, as culturas novas da grande massa indígena e mestiça da população urbana e camponesa da América Latina, como salienta Manuela Carneiro da Cunha ao falar sobre os indígenas que vivem no Brasil.
Aula aberta com Yanet Aguilera, professora da Universidade Federal de São Paulo

Desenhando a nossa árvore genealógica
Oficina para crianças

Traga de casa seu instrumento musical latino-americano
Nesta oficina cada pessoa ou família deverá levar um instrumento musical latino-americano que tenha em casa, mesmo que não saiba como tocá-lo. A ideia será aprendermos um pouco sobre cada instrumento, fazer música coletivamente e dançar. A orientação musical será de Jobana Moya e a orientação de dança de Ruth Erica Choque Cruz, ambas bolivianas residentes em São Paulo. A atividade é livre para todas as idades.


cinema perigoso 01

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[clique nas imagens para ver/ler maior]


Ao ser convidada pelo Goethe-Institut para realizar a curadoria de atividades paralelas à exposição The fourth wall [A quarta parede], do artista alemão Clemens von Wedemeyer, propus organizarmos atividades específicas para o nosso contexto local, e não atividades que girassem somente em torno do projeto de von Wedemeyer. Naquele momento eu não fazia ideia de que as atividades imaginadas aconteceriam poucas semanas após toda a comoção em torno do anúncio de resistência coletiva dos Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul, mas já defendia a atualidade – e urgência – dessa proposição.

A quarta parede evocada por von Wedemeyer em sua exposição é a fronteira que, no teatro, separa realidade e representação, audiência e atores. Mas se na sala de teatro esse limite é claro – ainda que imaginário -, no projeto de von Wedemeyer somos deslocados para habitar o próprio limite, onde se confundem documentário e ficção. A sala de arquivo localizada logo na entrada da exposição reúne documentos de autenticidade questionável, como a entrevista em vídeo feita com Geoffrey Frand, apresentado como docente, etnógrafo e ator (seria ator na vida real ou ator na conversa com von Wedemeyer?). Tal desconfiança é reforçada quando vemos o mesmo Frand – desta vez creditado como Geoffrey Burton – atuando no vídeo projetado na última sala da exposição. Será ele inteiramente verdadeiro, ora dando uma entrevista como etnógrafo, ora trabalhando como ator, usando nome artístico? Será inteiramente falso, ator nos dois casos? Ou parcialmente verdadeiro e parcialmente falso?

Do mesmo modo que não nos é dada a possibilidade de apreender totalmente a verdade sobre esse personagem, na exposição podemos apenas especular sobre os índios Tasaday, das Filipinas, em torno dos quais é construído todo o projeto. Não se sabe ao certo se os Tasaday existiram como tais ou se foram uma grande farsa, interpretados por camponeses. Ou o que na história deles era real e o que havia sido encenado para a câmera. Ao serem fotografados pela primeira vez, em 1971, os Tasaday pareciam nunca ter tido contato com a civilização ocidental: viviam em cavernas, vestiam folhas e utilizavam instrumentos feitos de pedra. O local onde moravam foi declarado reserva isolada e nem mesmo antropólogos estavam autorizados a estabelecer novos contatos. Quinze anos depois, os Tasaday foram encontrados por um jornalista e novamente fotografados. Desta vez eles moravam em casas nas redondezas das cavernas, trajavam calças jeans e fumavam cigarros. Essa segunda descoberta virou um escândalo na antropologia, levantando dúvidas sobre a veracidade do primeiro contato.

Se essa história de um grupo de pessoas viver na Idade da Pedra em pleno século XX se revelou posteriormente como possível invenção, a situação dos povos indígenas no Brasil costuma ser percebida na direção inversa: a barbárie cometida contra os índios desde a colonização até hoje é tão grande que muitas vezes é abafada/disfarçada como ficção, quando se trata da realidade.

*

Em 10 de outubro de 2012, foi publicada na internet uma carta da comunidade Guarani-Kaiowá originária dos territórios contíguos por eles chamados de Pyelito kue/Mbarakay, localizados no estado do Mato Grosso do Sul. Escrita em nome de 50 homens, 50 mulheres, 70 crianças, a carta informa sobre uma ordem de despejo despachada contra eles e afirma seu desejo de resistência, de permanência em sua terra, mesmo que para isso tenham que morrer:

“Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas decretar nossa morte coletiva e enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar nossa extinção/dizimação total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar nossos corpos. Este é o nosso pedido aos juízes federais”.

A ampla circulação da carta por meio das redes sociais deu à luta dos povos indígenas no Brasil uma visibilidade que não tinha tido até então, ao menos não no nosso passado recente. Na rede social Facebook diversos usuários vêm mudando seus sobrenomes para Guarani-Kaiowá, sugerindo que a luta dos Guarani-Kaiowá passou a ser também a sua luta. No momento da redação deste texto curatorial, não há como saber o desfecho dessa história; se esses índios serão forçados a um novo exílio para alguma reserva distante de seu território originário, se serão brutalmente assassinados por fazendeiros e pela “justiça” brasileira, ou se finalmente conquistarão o direito de permanecer na terra de seus antepassados e com toda a assistência necessária.

Seja como for, a mostra de filmes CINEMA PERIGOSO DIVINO MARAVILHOSO irá mostrar que esse não é um caso isolado. Como se poderá ver no filme Pïrinop, meu primeiro contato, o desejo de retorno aos seus territórios originários mobiliza outras tribos que em outros momentos foram transferidas para reservas como o Parque Indígena do Xingu. A questão da luta por demarcação das terras indígenas aparece já em Conversas no Maranhão, filme iniciado em 1977, e é o ponto de partida de Corumbiara, que busca evidências de um massacre promovido por fazendeiros em Rondônia em 1985.

O nome da mostra faz alusão à participação de Glauber Rocha como ator no filme Vento do Leste. Nessa cena Glauber está em uma encruzilhada, de braços abertos. Ele canta repetidas vezes “É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte”. Uma mulher grávida, que carrega uma câmera 16mm, chega andando pela estrada que está à direita de Glauber e lhe pergunta: “Desculpe atrapalhar a sua luta de classes tão importante, mas [qual é] a direção do cinema político?”. Sem olhar para ela, Glauber aponta um caminho à sua frente como a direção para um cinema “de aventura, desconhecido” e a estrada à sua esquerda como o caminho do “cinema do terceiro mundo”, um cinema “perigoso, divino, maravilhoso”. Ele afirma que esse cinema “vai construir tudo, a técnica, as casas de projeção, a distribuição” e alfabetizar as massas no terceiro mundo.

Em dado momento de Estrada para Ythaca, os quatro personagens – que são também os diretores, roteiristas e montadores do filme – se vêem diante de uma encruzilhada muito parecida com a de Vento do Leste. Ali eles escolhem, sem hesitar, um caminho apontado por um quinto personagem, supostamente morto, como o caminho de um cinema “perigoso, divino e maravilhoso”. Em uma primeira mirada – e todas as críticas publicadas sobre o filme parecem confirmar essa versão -, a cena sugere que esses realizadores estão simplesmente perseguindo o caminho apontado por Glauber para o cinema do terceiro mundo. No entanto, um retorno à cena original levanta uma dúvida: na realidade, como falei, Glauber apontava a estrada à sua esquerda como a direção para esse cinema “perigoso, divino e maravilhoso” e um caminho à sua frente como a direção para o cinema “desconhecido, da aventura”. Os meninos de Estrada para Ythaca escolhem a estrada do meio, a que estaria à direita de Glauber na cena original, sugerindo um desejo de sobreposição do cinema “desconhecido, da aventura” com o cinema “perigoso, divino e maravilhoso”, ou ainda uma recusa dos dois caminhos, em busca de sua Ythaca, ou de sua própria utopia de cinema.

*

Qual será, hoje, o caminho para um cinema brasileiro perigoso, divino e maravilhoso? O cinema do terceiro mundo ainda é desconhecido? Ainda é possível existir (ou forjar) um primeiro contato com ele? É possível localizar, no cinema brasileiro atual, a crítica ao modo de representação burguês almejada pelos autores de Vento do Leste? Qual pode ser, hoje, o caminho para o cinema político? Existe um único caminho? E o que se configura como cinema “brasileiro”?

A aposta da mostra CINEMA PERIGOSO DIVINO MARAVILHOSO é que podemos encontrar pistas desse cinema nos documentários em torno de contextos indígenas. Sempre há algo de perigoso, aventureiro e arriscado na aproximação entre cineastas não-índios e índios, e agora, após vinte e seis anos de existência e amadurecimento do projeto Vídeo nas aldeias e o surgimento de projetos similares, o mesmo se pode dizer da recepção das obras feitas por cineastas-índios pelos não-índios. Como não se sentir perturbado diante do ritual mostrado em Tatakox de Vila Nova? Como não sentir vergonha diante da visão que turistas brancos têm dos índios em Nós e a cidade, ou ao constatar a forma violenta como a cultura ocidental invade a aldeia de Koenju em Bicicletas de Nhanderu?

As noções de divino e maravilhoso também podem ser experimentadas diante dessa produção, que frequentemente supera as fronteiras entre autenticidade e teatralidade, entre testemunho e performance, mesmo sem apelar para estereótipos presentes em alguns filmes etnográficos, como cenas de transes de pessoas anônimas. Pelo contrário: a performance para a câmera é consciente, encenada. Seja no prólogo de Serras da desordem – talvez a sequência, ao mesmo tempo, mais bonita e pungente do cinema brasileiro -, seja no gesto final de Carapiru, em busca de sua liberdade. Também é impossível não sentir êxtase e maravilhamento diante das divertidíssimas reconstituições coletivas de Pïrinop, meu primeiro contato.

Já a questão do cinema “brasileiro” ou “nacional” é mais complexa. Essa complexidade talvez seja anunciada em um filme de 1988, Uaka, quando vemos imagens estrategicamente construídas dos Kamaiurá em contraposição à arquitetura moderna de Brasília. Vi esse filme pela primeira vez no terreiro “A pele do invisível”, da 29a Bienal de São Paulo, que tinha a forma de uma grande maloca, feita de papelão, sustentada por uma estrutura de madeira que remetia às colunas do Alvorada. Essa situação cenográfica reforçou a tensão entre pertencimento e não-pertencimento das diversas nações indígenas residentes no Brasil à nação brasileira.

E se a inclusão dos filmes feitos por índios em uma categoria nacional ou brasileira é problemática, podemos pensar que isso já não se dá na direção colonizadores-índios, mas que desta vez são os índios que estão apontando um novo caminho para o cinema feito no Brasil, “brasileiro” entre aspas. Não por acaso, esses filmes mereceram a atenção e análise de nove pesquisadores no 16º Encontro Socine, que aconteceu em São Paulo há menos de um mês. Nenhum outro tema foi tão debatido como esses filmes naquele que é o mais importante congresso acadêmico de cinema no Brasil.

Neste sentido, devemos valorizar as inversões propostas pelos filmes Tchám krai kytõm pandã grét – Exibição masculina entre populações européias e Iracema (de Questembert), nos quais a indígena Shirley Krenak assume, respectivamente, os papéis de antropóloga que investiga a necessidade de afirmação dos homens ocidentais em rituais públicos, ao tocar o que outras culturas consideram íntimo e pessoal; e de dona de uma vasta propriedade, herdada de seu pai.

*

Devo deixar claro que não excluo o interesse em outros filmes da produção brasileira atual nessa busca por um cinema “perigoso, divino e maravilhoso”; este é apenas um recorte de investigação, entre outros recortes possíveis, que no momento considerei instigante e apropriado para aprofundar as questões levantadas pela exposição The fourth wall [A quarta parede]. Novas edições da mostra estão sendo imaginadas, com outros focos, mas neste momento fica o convite para todos aqueles que ainda não conhecem esses filmes estabelecerem seu primeiro contato e, esperançosamente, sairem transformados.

Cineastas residentes em São Paulo (Andrea Tonacci e Mari Corrêa) ou de passagem pela cidade por ocasião da mostra (Maria Thereza Alves) estarão presentes para contar sobre a sua relação de anos com a causa indígena e sobre o processo de realização dos filmes. Por questões de orçamento infelizmente não foi possível trazer os realizadores de fora da cidade para cá, mas serão disponibilizadas entrevistas com eles em uma pequena biblioteca, na midiateca do museu. Ali também poderão ser vistas e estudadas cópias em DVD dos filmes, durante todo o mês de novembro. Finalmente, as questões levantadas pela exposição de von Wedemeyer e pela mostra poderão ser debatidas por todos os interessados no seminário que encerra esta programação, intitulado Políticas da imagem.

Agradeço a todos que, de maneira direta ou indireta, consciente ou desavisada, colaboraram na construção coletiva dessas atividades paralelas:

André Brasil (por suas colocações no seminário Cinema, estética e política: engajamentos no presente, no 16º Encontro Socine e pela curadoria da mostra Bem Comum no 44º Festival de Inverno da UFMG); Bernard Belisário (por ter me apresentado o filme Kuikuro As hiper mulheres, que só poderá estrear nas salas de cinema em 2013, mas é também perigoso-divino-maravilhoso); Bessa Freire (pela recomendação do filme Bicicletas de Nhanderu durante o 1º Encontro de Questões Indígenas e Museus); Bruno Lotelli (pelas nossas conversas); César Guimarães (pela coordenação do 44º Festival de Inverno da UFMG e pelo envio da revista Devires n.5 para a biblioteca); Daniel Guimarães Tertschitsch (por ter assistido, discutido e escolhido filmes da programação junto comigo); Rubens Machado Jr. (pela busca dos filmes de Luiz Thomaz Reis); Vitor Cesar (pelo design gráfico deste material); e Wellington Cançado (pela recomendação dos filmes Maxakali e por toda a amizade).

Agradeço especialmente a Jana Binder, diretora do Goethe-Institut, pela confiança depositada no meu trabalho; a Simone Molitor, por todo o suporte de produção; à direção e aos funcionários do MIS e do Paço das Artes; a todos os realizadores dos filmes; e às convidadas do seminário.

Graziela Kunsch, outubro de 2012

Clique aqui para ler o relato crítico de Lila Foster sobre o seminário Políticas da Imagem



Esboço para novas culturas: projetos de cidades em debate foi a primeira atividade do projeto editorial da revista Urbânia 4. Muitas cidades crescem e se transformam sem que alguém tenha pensado em seu projeto, no entanto, diversas foram as oportunidades em que indivíduos e coletivos se debruçaram sobre a possibilidade de projetar novas cidades, modelos de espaço urbano comprometidos com modelos sociais e culturais. Ao reunir (e confrontar) esses projetos, a revista Urbânia 4 se propõe a investigar onde se localizam as utopias hoje, de modo a estimular a construção coletiva de outros imaginários. Objetiva-se animar uma reflexão sobre o que as cidades em que vivemos poderiam ter sido e, fundamentalmente, sobre o que ainda podem se tornar.

A cada edição a revista Urbânia tem um formato diferente e neste quarto número ela assume a forma de um website, instaurando um processo colaborativo de publicação e reforçando uma lógica de projeto, como as cidades estudadas – passíveis de constante reformulação. O banco de dados do website urbania4.org é organizado em três seções, tomando emprestada a estrutura do manuscrito de Constant Nieuwenhuijs, New Babylon – Esboço para uma cultura, 1963-65, que apresentava o projeto da cidade New Babylon de três modos: “modelo de sociedade e cidade” (textos), “atlas” (imagens – maquetes, desenhos) e  “crítica cultural radical” (a contraposição do modelo vigente de cultura com a cultura imaginada por Constant).

As cidades Brasília, Havana, São Paulo, Luanda, New Babylon e Assentamento Ireno Alves dos Santos/Vila Barrageira foram eleitas como assunto dos debates presenciais. Para cada uma dessas discussões os editores da revista Urbânia 4 – Graziela Kunsch e Paulo Miyada, também curadores deste projeto – escolheram um ou mais debatedores e um editor/coletivo editorial de uma revista independente de arte e arquitetura. Este editor/coletivo editorial irá atuar na referida discussão como mediador e, em alguns casos, propôs um novo debatedor para a situação, a partir do repertório de colaboradores de sua própria revista e/ou tendo em mente um embate crítico. Esta dinâmica objetivou descentralizar e democratizar o processo de escolha dos participantes das discussões, tornando possível que os debates tomem rumos inesperados/inimaginados até mesmo pelos curadores e valorizando o papel das revistas independentes na formação de uma crítica cultural radical. Como forma de adensamento dos debates presenciais estão programadas oficinas e uma série de atividades especiais.

Este projeto foi contemplado na seleção pública de debates presenciais do Programa Cultura e Pensamento 2009/2010, do Ministério da Cultura. A pesquisa para a revista Urbânia 4 foi desenvolvida com bolsa do 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco (Fundarpe).

Programação completa
debates

21 de outubro, quinta, às 19h
ABERTURA
Introdução ao conjunto de debates e ao projeto editorial colaborativo da revista Urbânia 4.
com Graziela Kunsch

21 de outubro, quinta, às 19h30
BRASÍLIA
Reflexão sobre o projeto moderno brasileiro 50 anos após a construção de Brasília e tentativa de atualizar a aposta de Mario Pedrosa  – podemos ainda hoje pensar em Brasília ou no ato de planificação como uma “aspiração à síntese das artes”?
debatedores Milton Braga, Martino Tattara e Rubens Mano
mediador Paulo Miyada, pela revista Urbânia 4

22 de outubro, sexta, às 19h30
HAVANA
Problematização do projeto socialista cubano e apontamentos para um outro projeto socialista, que no entanto aproveite boas experiências de Havana.
debatedor Henry Eric Hernandez
mediadora Beatriz Tone, pela revista Contraespaço/Usina

23 de outubro, sábado, às 11h
SÃO PAULO – parte 1
Diante de uma metrópole de imensas proporções, o desenho de redes e sistemas é uma estratégia possível para a reinvenção da cidade como uma unidade. Os equipamentos urbanos poderiam ser organizados como um desses sistemas? As escolas e os espaços públicos poderiam ser as unidades geradoras de uma nova São Paulo? A idéia desta discussão é retomar o projeto original dos CEUs –originalmente “Conjuntos de Equipamentos Urbanos”, reduzidos a “Centros Educacionais Unificados”. Toda a formulação deste projeto pressupôs a lógica de um sistema urbano, uma rede que aproximaria contextos distintos e lidaria diretamente com regiões de urbanização precária, onde a falta de equipamentos públicos é apenas uma dentre muitas questões sociais.
debatedor Alexandre Delijaicov
mediador Adriano Carneiro de Mendonça, pela revista Noz

23 de outubro, sábado, às 13h40
Almoço coletivo no jardim do Centro Cultural São Paulo

23 de outubro, sábado, às 15h
SÃO PAULO – parte 2
No momento em que a expansão do metrô de São Paulo – restrita principalmente aos bairros de classe média – e o Rodoanel são usados como principais bandeiras políticas do governo do Estado, a recuperação do projeto Tarifa Zero para o transporte coletivo desta cidade e a proliferação de bicicletas e ciclofaixas desenhadas pelos próprios ciclistas pelas ruas aponta caminhos mais radicais e revolucionários para superação da “sociedade do automóvel”.
debatedores Lucio Gregori e Thiago Benicchio
mediadora Renata Marquez, pela revista PISEAGRAMA

23 de outubro, sábado, às 17h40
Café coletivo embaixo da marquise entre a calçada da Rua Vergueiro e a Sala de Debates

23 de outubro, sábado, às 18h
LUANDA
Projeto de reconstrução e crescimento acelerado de uma cidade enriquecida após 27 anos de guerra civil. Enquanto Angola se consolida como uma das economias que mais rapidamente cresce no mundo, sua capital transforma sua paisagem com intervenções grandiosas que abrangem habitação social, centros culturais, obras de infraestrutura e aeroportos.
debatedores Nilton Vargas e Leila Leite Hernandez
mediador Pedro Gadanho, editor da série de livros Beyond

30 de outubro, sábado, às 15h
NEW BABYLON
Mais que um projeto de cidade, a New Babylon é o projeto de um novo homem, que iria “transformar e recriar o meio natural segundo as suas novas necessidades. Em vez de ficar passivo diante de um mundo que não o satisfaz, ele vai criar um outro, onde poderá ser livre. Para poder criar a sua vida, precisa criar esse mundo. E essa criação, como a outra, são parte de uma mesma sucessão ininterrupta de criações. New Babylon só poderá ser obra dos seus habitantes, unicamente produto de sua cultura. Para nós, ela só é um modelo de reflexão e jogo” (Constant).
debatedores Martin van Schaik e Tom McDonough
mediadora Graziela Kunsch, pela revista Urbânia 4
O debate será precedido pela projeção do filme New Babylon de Constant, de Victor Nieuwenhuijs e Maartje Seyferth

30 de outubro, sábado, às 17h40
Café coletivo embaixo da marquise entre a calçada da Rua Vergueiro e a Sala de debates

30 de outubro, sábado, às 18h
ASSENTAMENTO IRENO ALVES DOS SANTOS/VILA BARRAGEIRA
Projeto de cidade imaginada e construída coletivamente dentro do primeiro grande assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e as forças contrárias a este projeto. A questão da autogestão na produção das casas do assentamento levando à produção de uma cidade autogerida.
debatedores Pedro Fiori Arantes, Elemar Cezimbra/MST e Gabriel Kogan
mediador Ariel Jacubovich, pela revista UR

OFICINAS
Participantes escolhidos por meio de seleção pública

A CIDADE COMO UM PROJETO
com Pier Vittorio Aureli e Martino Tattara
Nesta oficina o termo “cidade” não será definido como um mero fluxo de massas e programas, mas como uma forma política. Se a essência da ação política é a tentativa de projetar uma forma de convivência entre os indivíduos, pode-se dizer que a forma arquitetônica, inevitavelmente, implica uma visão política. Mesmo que não exista uma “arquitetura política”, há certamente uma maneira política de se fazer e ler a arquitetura.
19/10 a 22/10, 11h às 13h e 14h às 17h30, no Centro Cultural São Paulo

INTERNACIONAL SITUACIONISTA
com Tom McDonough
A proposta desta oficina é abordar o engajamento do grupo Internacional Situacionista (IS) com a arquitetura e o urbanismo, a partir da análise da uma série de revoltas e insurreições urbanas contemporâneas.
27 e 28/10, 14h às 17h30, no Centro Cultural São Paulo

OTRA ISLA PARA MIGUEL
com Henry Erik Hernandez
Em seu livro La Revancha (2006) e no livro seguinte, Otra Isla para Miguel (2008), o artista cubano Henry Erik assumiu uma posição discursiva sobre a história de seu país e as mudanças da forma e da função de suas cidades e edifícios. Descontente com o discurso único enunciado pela história oficial – seja aquela produzida e ensinada em seu país, seja aquela moldada desde fora do regime cubano – ele concebeu intervenções e narrativas que desvelam versões e visões alternativas, baseadas nas memórias de pessoas desconhecidas e em documentos do passado recente. Essa modalidade de atuação artística, colada nas grandes narrativas da história, mas apegada à escala humana e local, desdobra visões originais e críticas radicais sobre um projeto de cidade e sociedade cujo saldo ainda está por ser avaliado. Nesta oficina serão analisados o uso e a utilidade de documentos relacionados a eventos pessoais e experiências de vida na  elaboração de uma parcela da micro-história.
25 e 26/10, das 14h às 17h30, no Centro Cultural da Espanha

CIUDAD ROCA NEGRA
com Ariel Jacubovich
O Proyecto Roca Negra [http://proyectorocanegra.wordpress.com] é um projeto de transformação territorial, construção de espaços coletivos e equipamento comunitário empreendido pelo MTD Lanús e a Frente Popular Dario Santillán nos prédios de uma antiga fábrica, localizada na Grande Buenos Aires. Nesta oficina pretende-se investigar, por meio deste projeto, os recursos da arquitetura como uma ferramenta para a construção de melhores sistemas democráticos: assembléia do projeto, objetos de consenso, agrupamentos socio-técnicos.
2 e 3/11, das 14h às 17h30, no Centro Cultural da Espanha

ATIVIDADES ESPECIAIS NA 29ª BIENAL
Bienal de São Paulo, terreiro Eu sou a rua [Parque do Ibirapuera, portão 3, segundo andar]

18 de outubro, segunda, às 16h
A cidade como um projeto
Aula aberta com Pier Vittorio Aureli e Martino Tattara

24 de outubro, domingo, às 17h
Entrevista pública com Henry Erik Hernandez

28 de outubro, quinta, às 20h
História do futuro
Palestra de Milton Machado
O artista carioca, formado em arquitetura, apresenta trabalho em progresso iniciado em 1978 com uma série de desenhos e um texto descritivo. Revelou um sistema imaginário absoluto e hipercoerente, em que se articulam Mundo Imperfeito, Mundo Perfeito e Mundo Mais-que-Perfeito. Essa civilização mítica é habitada por personagens conceituais, como o Módulo de Destruição, uma máquina definitiva que faz e desfaz cidades; e o Nômade, minúscula esfera que luta contra as probabilidades para sobreviver em Cidades-Mais-que-Perfeitas. Iniciado como um projeto entre a utopia e a distopia, História do futuro foi-se transvestindo ao longo do tempo em literatura, filosofia, geometria e patafísica, a ciência do absurdo.

29 de outubro, sexta, às 20h
Megaestrutura revisitada
Palestra de Markus Richter
O curador alemão falará sobre uma mudança crucial nos projetos das vanguardas arquitetônicas entre 1965 e 1967: o abandono do aspecto estrutural em megaestruturas e o foco na elaboração de unidades menores, monádicas. Sob esse prisma, Markus analisará projetos que se desenvolvem a partir da referida transformação, como o Monumento Contínuo (Archigram, 1969) e a No-Stop City (Archizoom, 1969). Por fim, irá discutir o recente interesse de artistas visuais na vanguarda arquitetônica dos anos 60.

31 de outubro, domingo, às 17h
Entrevista pública com Tom McDonough

1º de novembro, segunda, às 17h
Entrevista pública com Martin van Schaik


FILMES
Bienal de São Paulo, terreiro A pele do invisível [Parque do Ibirapuera, portão 3, terceiro andar]

Projeções dos filmes Brasília, contradições de uma cidade nova e New Babylon de Constant dentro do Programa 1 nas datas: 11/10 10h15 e 15h + 21/10 9h15, 14h e 18h + 10/11 10h15 e 15h + 20/11 13h + 30/11 10h15 e 15h + 10/12 9h15, 14h e 18h

Brasília, contradições de uma cidade nova
Joaquim Pedro Andrade, 1967, 30min
Imagens de Brasília em seu sexto ano e entrevistas com diferentes categorias de habitantes da capital. Uma pergunta estrutura o documentário: uma cidade inteiramente planejada, criada em nome do desenvolvimento nacional e da democratização da sociedade, poderia reproduzir as desigualdades e a opressão existentes em outras regiões do país?
Apoio: http://filmesdoserro.com.br

New Babylon de Constant
Victor Nieuwenhuijs e Maartje Seyferth, 2005, 13min
O filme exibe imagens de arquivo do artista holandês Constant Nieuwenhuijs (1920-2005) apresentando o projeto da cidade New Babylon, onde o “homo faber”, que deve trabalhar para ganhar a vida, é subtituído pelo “homo ludens”, que dedica seu tempo ao lazer e à criação. Os trechos de arquivo são articulados com tomadas das maquetes construídas por Constant.

 


cartaz arte e esfera publica


A noção de arte pública tradicionalmente diz respeito à instalação de uma obra de arte em praças e parques. Mas o que seria a arte pública no contexto atual? E será que podemos falar em uma esfera pública? Ou seria mais apropriado pensarmos em diferentes esferas públicas, em diferentes contextos, em diferentes espectadores? O mundo da arte pode ser entendido como uma esfera pública? Como o mundo da arte se relaciona com outros mundos/outras esferas? Qual o papel do artista nesta relação? Estas foram algumas das questões endereçadas pelo projeto internacional Arte e esfera pública, que aconteceu em São Paulo entre 3 de abril e 10 de maio de 2008.

As atividades aconteceram na Casa da Cidade, no Centro Cultural São Paulo, no Jamac – Jardim Miriam Arte Clube e na residência de Graziela Kunsch. No Centro Cultural foi montada a terceira edição da BASE móvel, junto ao coletivo Risco, que funcionou durante os 40 dias do evento.

Organização: Graziela Kunsch e Vitor Cesar

Colaboradores: Ana Maria Tavares, Cristina Ribas, Fabíola Salles, Graziela Kunsch, Jorge Menna Barreto, Julie Ault, Louise Ganz e Breno da Silva, Maíra Vaz Valente, Rafi Segal, Raquel Garbelotti, Regina Melim, RISCO, Rubens Mano, Tatiana Ferraz, Vitor Cesar e 5uper.net

Conexão Artes Visuais MinC/Funarte/Petrobras



Projeto de residência pública. Graziela Kunsch abriu a casa onde morava para artistas conviverem e realizarem exposições juntos. Entre 2001 e 2003 grupos de artistas de diferentes cidades brasileiras fizeram residências na casa, formando uma rede de trabalho e de afeto: Atrocidades Maravilhosas (Rio de Janeiro), Núcleo Performático Subterrânea (São Paulo), EmpreZa (Goiânia), GRUPO (que gerou o Grupo Poro, Belo Horizonte), Laranjas (Porto Alegre), Urucum (Macapá), Telephone Colorido (Recife), entre outros. A Casa da Grazi também era conhecida como centro de contracultura de São Paulo. Quando a artista se mudou para um apartamento, em 2007, as residências seguiram acontecendo. Entre seus últimos hóspedes estiveram o coletivo Cine Falcatrua (Vitória), as artistas Julie Ault e Katya Sander, o crítico e curador Simon Sheikh e os arquitetos Breno da Silva e Rafi Segal.

BIBLIOTECA
desde 2001
Além da organização de residências, um dos principais projetos da Casa da Grazi foi a biblioteca, aberta para consulta e empréstimo de livros. Atualmente Graziela leva recortes temáticos desta biblioteca para as suas exposições, disponibilizando seus livros para estudos e fotocópias.

HOTEL
2004
Projeto de residência em parceria com Jorge Menna Barreto, então novo morador da casa. Os artistas reformaram a edícula da casa e ali acolheram estrangeiros. Entre seus hóspedes estiveram Stewart Home (autor de Assalto à cultura), David Garcia (co-fundador do festival The next five minutes), Felix Stalder (http://openflows.org) e coletivo Yo Mango da Cidade do México. O hotel tinha café-da-manhã incluído; era o principal momento de conversa dos residentes com o hóspedes.

RESTAURANTE
2005
O restaurante funcionava no quintal da casa, oferecendo comidas cruas estritamente vegetarianas. Os convidados pagavam R$ 5,00 ou davam presentes à cozinha da casa. Projeto realizado com a moradora Toya.

Entre as exposições de artistas individuais realizadas na casa com curadoria de Graziela, em 2001, estão:

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André Komatsu, Daniel Camilli e Marcelo Cidade

Ruídos
Fábio Tremonte, Graziela Kunsch (co-curadoria de Ruy Cortez), Lia Chaia

Besta
Carolina Parra, Flavia Lobo de Felicio, Fellipe Augusto e Tiago Judas


Completamente avessa ao individualismo egocêntrico vigente em certos segmentos artísticos, Graziela Kunsch defende a socialização dos espaços com tanta coerência que sua própria residência se transforma diariamente em lugar de pouso e estadia para artistas de todas as partes do planeta, podendo ser igualmente o mesmo espaço aproveitado para exposições de propostas artísticas experimentais. Na contramão do capitalismo globalizado, a artista tem operado de modo ativo um processo ininterrupto de redefinição do conceito de arte.

Marcos Hill, crítico de arte e historiador